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entrevista | Mario Sergio Cortella

Revista da ESPM

| janeiro/fevereirode 2014

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Arnaldo

— Temos um problema de

origem, é isso?

Cortella

Num primeiro momento,

a nossa sociedade foi submetida a

um Estado ibérico, depois a grandes

capitanias hereditárias e, por fim, a

sesmarias. Cada uma com um pro-

prietário nomeado por ordem im-

perial ou por direito de herança. E o

número de proprietários sempre foi

pequeno. Então, ou a população se

submetia a esse proprietário numa

relação servil, ou não sobreviveria.

Muito mais do que gerar um povo

pacífico, esse arranjo de sobrevi-

vência gerou um povo desarmado.

O que chamamos de pacifismo na

nossa história é muito mais uma

impossibilidade de reação. Não é

casual que as regiões mais politiza-

das do Brasil estão no Sul, onde a

estrutura comunitária, do pequeno

proprietário, que se associa a outros

em cooperativas, é marcante. Ali há

uma marca maior de escolarização,

um enfrentamento maior do poder

central. No entanto, onde não tive-

mos essa condição é que de fato o

modelo colonial se impôs.

Arnaldo

— Então, quem se destaca

nesse ambiente acaba sendo malvisto?

Cortella

Ele vai ser percebido

como o amigo do rei. Na área mili-

tar, é o famoso “peixinho”, o amigo

do comandante. A história da atriz

que precisa transar com o diretor

para conseguir o papel. A ideia do

mérito pessoal, em vez do favor do

mandante, vai ser muito rara no

nosso cotidiano. Daí a frase do Tom

Jobim de que o sucesso é uma ofen-

sa. Isso foi uma cultura dissemina-

da pela própria elite, para descarac-

terizar o mérito das pessoas de fora

do seu círculo.

Arnaldo

— Embora haja essa descon-

fiança sobre a meritocracia na nossa

cultura, o empreendedorismo vem se

tornando um valor muito admirado

no Brasil. Fazendo um paralelo à vida

pública, na redemocratização, figuras

de destaque, seja do pensamento mais

à esquerda ou à direita, tiveram papel

importante na política. Passados 30

anos, fica a sensação de que as pessoas

de maior talento e empreendedoras

não querem mais fazer parte da polí-

tica. O mesmo vale para boa parte do

funcionalismo público, que já foi pres-

tigiado socialmente. O governo não

atrai mais as pessoas brilhantes?

Cortella

Até 30 anos atrás tínha-

mos uma causa coletiva, que era o

enfrentamento da ditadura. O pro-

pósito era forte e a política surgia

como serviço, não como benefício.

Não acredito que tenhamos perdido

isso, mas se deslocou para a área do

Ministério Público, onde a entrada

de pessoas com um ideal mais forte

levou a uma série de turbulências

positivas. Nós tivemos homens e mu-

lheres de ideologias e ainda os temos

— como a Luiza Erundina, com quem

eu convivi muito tempo, ou ainda

a Marina Silva, que são mulheres

de causas. Mas a política partidária

perdeu o encanto para as novas ge-

rações, e restaram apenas algumas

pessoas com suas histórias pessoais,

com uma atitude até de heroísmo.

Aliás, o heroísmo mudou de foco.

Arnaldo

— Não temos mais heróis?

Cortella

As celebridades, que nos

anos de 1970 eram os músicos, os ar-

tistas que faziamoposição ao regime

ditatorial, migraram para o esporte,

a TV. Existe outro tipo de admira-

ção. Por isso, nossos heróis ficaram

no século 20. O Obama, que surgiu

como um movimento de redenção

histórica, não manteve o mesmo

fôlego na sua reeleição. É interessan-

te notar que nos países do mundo

islâmico, sob forte repressão, estão

surgindo as novas heroínas. No Bra-

sil, essa nova geração que chega não

vê a participação na política parti-

dária como honrosa. Por outro lado,

há sim a defesa de causas em outro

campo. O número de organizações

não governamentais que canalizam

o desejo de mudança tornou o meio

político mais restrito para essa mi-

litância. Então, não houve o fim do

sonho, mas o poder público não é

mais o canal exclusivo.

Arnaldo

— A clássica Lei de Gérson

resiste a esses novos tempos?

Cortella

Ela perdeu o encanta-

mento original. No início, numa so-

ciedade que era emergente, deixan-

No Brasil, essa nova geração que chega não vê

a participação na política partidária como honrosa.

Por outro lado, há sima defesa de causas emoutro

campo. Opoder público não émais o canal exclusivo