Revista ESPM - maio-jun - Brasil Assombrado. Que caminho seguir. - page 14

entrevista | Luiz Carlos Mendonça de Barros
Revista da ESPM
|maio/junhode 2013
14
Arnaldo –
Lá se vão cinco anos desde
a quebra do banco Lehman Brothers. As
principais economias mundiais adota-
ram diferentes modelos para enfrentar
a crise, algumas mais ortodoxas, outras
nem tanto. Qual é o cenário agora?
Mendonça de Barros –
O que apren-
demos com Keynes é que o capitalis-
mo é um sistema econômico progra-
mado para o crescimento, só que de
tempos em tempos entra em crise. E
a crise aparece mais por falhas hu-
manas do que por erro de programa
do sistema. Essa é uma das principais
mensagens de Keynes, e ele constatou
isso num debate com os economistas
clássicos, que tinham uma visão de
que o capitalismo era um sistema
praticamente perfeito e imune a cri-
ses. Para Keynes, é o melhor sistema
econômico que existe em termos de
geração de renda, mas traz alguns
defeitos congênitos que precisam ser
cuidados. Por exemplo, a tendência
de concentração. É omais eficiente na
geração de riqueza, mas tem essa dis-
torção. Então, os governos precisam
estar atentos e criar políticas para
diminuir essas diferenças. Não deve
haver uma intervenção que leve a uma
homogeneização das rendas, porque
isso é anti-humano. O homem em so-
ciedade é diferente, e temos de aceitar
que algumas pessoas, pela sua quali-
ficação, vão ganhar mais que outras.
Mas isso não pode virar uma grande
concentração. Por erros do ser hu-
mano, a ambição, por exemplo, entre
uma série de defeitos inerentes ao ho-
mem, que em sociedade ganhamuma
dimensão sistêmica, você tem recor-
rentemente períodos de crescimento
econômico e outros de recessão.
Arnaldo –
E estamos conseguindo com-
bater esses erros humanos?
Mendonça de Barros –
Bom, Key-
nes vai mais longe e diz que, nesses
períodos de recessão, por erros de
política econômica, você pode trans-
formar isso numa coisa mais séria,
com recessões suaves e outras mais
profundas. Se os erros forem muito
grandes, você causa uma depressão.
Então, precisamos de uma espécie de
“Escala Richter” de recessões. Nessas
escalas, o grande exemplo é a depres-
são de 1930. De certa forma, a crise de
2008 tinha todo oDNApara virar uma
depressão também. Só que dessa vez
foi diferente por duas razões princi-
pais. A primeira é que já se conhecia
a depressão do ponto de vista teórico.
Temos vários livros analisando por
que a crise de 1930 foi tão violenta,
além de uma lição dos riscos associa-
dos à depressão, que podem ter impli-
cações políticas, como o surgimento
do nazismo e aquele negócio todo.
Hoje, você temmecanismos de conhe-
cimento na economia para identificar
essas situações e propor o que fazer.
Isso sempre associado aos governos.
E há um segundo fator desta vez: por
coincidência, Ben Bernanke, o pre-
sidente do Banco Central americano
[Federal Reserve — Fed] era um econo-
mista teórico especializado na grande
depressão. Então, não só tínhamos
conhecimento da depressão, mas o
presidente do maior banco central do
mundo era especializado nisso.
Arnaldo –
Mas Bernanke foi eficiente
no combate à raiz da crise?
Mendonça de Barros –
Quando você
teve a crise das hipotecas, que é uma
crise keynesiana típica, do ponto de
vista da ambição, voltou-se a discutir
um certo classicismo econômico, de
que o mercado se corrige por si só e
que não se deve ter nenhumtipo de in-
tervenção maior. Essa visão coincide
com a era do Ronald Reagan e depois
do George W. Bush. Só que houve
uma eleição nos Estados Unidos logo
no começo da crise e, como em toda
democracia, no meio da crise ocorreu
a trocade governo. Entraramos demo-
cratas, que são de um partido muito
mais ativista em termos de política
econômica do que os republicanos. Na
prática, houve uma coincidência teóri-
ca, com o Bernanke no Fed, e política,
com Barack Obama. E aí assistimos a
uma intervenção agressiva. É interes-
sante perceber que o conhecimento
que se tinha desse tipo de crise estava
desatualizado, vinha de um padrão
de 50 anos atrás. Os instrumentos
que se pensava existir não erammais
suficientes. Por isso, ao longo da crise,
o Fed foi inovando na política mone-
tária até chegar a essa inundação de
dinheiro e juros lá embaixo.
Arnaldo –
Em que sentido esse co-
nhecimento estava desatualizado?
Mendonça de Barros –
A crise desta
vez foi muito séria, porque afetou
o mundo todo. A economia hoje é
mais interligada do que em 1930.
Por causa disso, levou-se um tempo
O capitalismo é um sistema programado para
o crescimento, só que de tempos em tempos
entra em crise. E a crise aparece mais por falhas
humanas do que por erro de programa do sistema
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