Revista ESPM - maio-jun - Brasil Assombrado. Que caminho seguir. - page 96

História
Revista da ESPM
|maio/junhode 2013
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prego, inflação e repressão; e na Inglaterra, pelas medidas
econômicas impopulares, privatizações e licenciamentos.
Em1980, Friedman escreveu o que resumemelhor sua
doutrina de Shock: “Só uma crise real ou percebida como
tal produz um verdadeiro câmbio”. Por princípio, Fried-
man não acreditava no Fundo Monetário Internacional
(FMI), nem no Banco Mundial — exemplos clássicos de
intervencionismodosgrandesaparelhosmundiais, quesó
atrapalhavam as leis do livre mercado. Friedman parecia
ter motivos filosóficos para se opor àquelas instituições
financeiras,masnapráticanãohaviamelhor organização
para colocar emmarcha sua teoria da crise.
Ospaísesqueatravessaramacrisedosanosde1980foram
obrigados a recorrer a ditos organismos, como foi o caso do
BancoMundialedoFMI.Muitosdessespaísesenfrentaram
omurodaintransigênciadosChicagoboysortodoxoseades-
trados paranãoceder às petições dos países emsofrimento.
O oportunismo e a lógica orientadora das instituições
financeiras passama reinar nomundo. Apartir desse pe-
ríodo, começa a desenvolver-se uma cultura do dinheiro,
emquese rompea tradiçãoantropológicaefilosóficamais
autêntica, coma religião (oumitologias), quedeterminara
o espíritode uma sociedade, amaior influência do comér-
cio e do dinheiro na vida social e no surgimento de novos
tipos de relação social.
Esteéocentronãoortodoxodessasexplicaçõesortodo-
xas: a suposição tácitaéque, comosurgimentodovalor de
troca, apareceumnovo interessenaspropriedades físicas
dos objetos. A equivalência dos objetos através da forma
dodinheiro (quena economiamarxistausual é entendida
como a supressão do uso e da função concreta pelo feti-
che essencialmente idealista e abstrato da mercadoria)
leva aqui, no entanto, a um interesse mais realista nos
aspectos físicos domundo enas novas relações humanas
mais intensas do comércio. Os mercadores e seus con-
sumidores precisam ter um interesse maior na natureza
sensorial de seusprodutos e, também, nas características
psicológicas e de caráter de seus interlocutores. E tudo
isso pode levar ao desenvolvimento de novos tipos de
percepção, tantosocial quanto física, novosmodosdever,
novasmaneirasde se comportar. Em
Acultura do dinheiro:
ensaio sobre a globalização
(Editora Vozes, 2001), Friedric
Jameson explica que, em longo prazo, essas mudanças
criamas condições emque formas mais realistas de arte
são não só possíveis como desejáveis e encorajadas pelos
novos tipos de público.
Essanova cultura vai se ancorar noChile e vemdopapel
daUniversidade deChicago, como novo regime ditatorial,
monitorado pelo professor Friedman. Desde os anos 1950,
havia um fluxo regular de brilhantes jovens economistas
chilenos que estudaram em dita universidade pelos pro-
gramas de intercâmbio com a Universidade Católica de
Santiago, como Harvard, que formou o atual presidente
José Piñera. A ironia é que a reforma econômica, política
e social chilena foi muito mais radical que qualquer ação
tentada emoutros países, o coração pulsante da economia
do livre mercado, que em 2008 levou o mundo à beira do
abismo.Comoparadoxo,ovelhoEstado(osEstadosUnidos)
teve de sair em assistência aos bancos responsáveis pela
quebra domundo, oferecendomais deUS$800bilhões aos
responsáveis pela crisemundial.
A humanidade se encontrava no outro extremo, dando
um passo por vez, em direção a umhorizonte que sempre
recuava.Osgrandespensadoreserammovidosnãosópela
curiosidade intelectual e pelo anseio por uma teoria, mas
tambémpelodesejodepôrahumanidadenumaposiçãode
comando.Procuraraminstrumentosdemestria,ideiasque
pudessemser usadasparapromover sociedades caracteri-
zadas pela abundância e pela liberdade individual, emvez
de um colapso moral e material. Nesse contexto, surge a
guerraporpetróleo, fantasiadaporvetoresdiscursivos, em
nome da liberdade e da democracia, o esforço de guerra, a
violência, o racismo e o delicado confronto internacional,
desde a Guerra Fria e no OrienteMédio, como no norte da
África, hoje de predominância islâmica.
OfimdaGuerraFria representouumforte revés e atraso
paraessasáreaspretensamentepós-coloniais.Noinícioda
décadade1990,ficouclaroqueopoderimperialamericano
não estava disposto a compartilhá-las nem dar acesso ao
petróleo do Oriente Médio, nem pagar imposto às classes
Em tempos e espaços distintos, as pessoas podemmudar,
assim como as instituições (como acontece com a mídia
e a cultura dominante) podem desempenhar importante papel
na determinação de uma mudança estrutural e profunda
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