Revista ESPM - maio-jun - Brasil Assombrado. Que caminho seguir. - page 99

maio/junhode2013|
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facilitando uma quantidade infinita de encontros. Esta
segunda face da globalização não quer dizer que todos
no mundo se tornem iguais. O que ela proporciona é a
possibilidade de que, mesmo nos mantendo diferentes,
descubramos pontos emcomum, que permitamque nos
comuniquemos uns com os outros para podermos agir
conjuntamente. Também a multidão pode ser encarada
como uma rede: uma rede aberta e em expansão, na
qual todas as diferenças possam ser expressas livre e
igualitariamente, uma rede que proporcione os meios
de convergência que nos possibilite trabalhar e viver
de forma integrada e desigual. É o que Michael Hardt e
AntonioNegri apontamem
Multidão: guerra e democracia
na era do Império
(Editora Record, 2005).
Os defensores da democracia no século 18 tinham de
enfrentar os céticos, para os quais a democracia pode ter
sidopossível noambiente restritodaPolisAteniense,mas
seria absolutamente impossível nos amplos territórios
do moderno Estado-nação. Os céticos conservadores ge-
ralmente preferem voltar sua atenção para os diferentes
níveis de civilização, com forte conotação racista. “Essa
conversa de democracia pode dar certo na Europa e na
América do Norte”, afirmam. “Mas os povos de outras
regiões do mundo não estão prontos para a democracia.
Depois que aprenderem com nossos mercados livres e
nosso sistema jurídico a respeitar a propriedade privada
e a noção de liberdade, talvez sejam capazes de exercer a
democracia”(YuriMartinsFontes:“Porõesdademocracia”,
revista
Retrato do Brasil
. Edição de outubro de 2010).
Umanovaciênciaglobal dademocracianãose limitaria
a escoimar nosso vocabuláriopolíticodas distorções que
vem sofrendo; também teria de transformar ou revisitar
os conceitos básicos da política moderna; do conceito
de Estado-nação e de livre mercado ao do socialismo; de
noção de representação política; dos direitos humanos;
dos direitos do trabalho. Todos esses conceitos devemser
repensados no atual contexto político contemporâneo.
Esta deveria ser uma ciência da pluralidade e da cons-
trução do outro.
Nas práticas discursivas, deixando de lado as cínicas
(
Crítica da razão cínica
, escrito por Peter Sloterdijk. Esta-
ção Liberdade, 2012), há espaço tanto para os idealistas
utópicos quanto para os resignados. Em tempos e es-
paços distintos, as pessoas podem mudar, assim como
as instituições (como acontece com a mídia e a cultura
dominante) podem desempenhar importante papel na
determinação de uma mudança estrutural e profunda.
Indivíduos passivos e alienados podem favorecer a he-
gemonia, a intervenção e a pilhagem, de modo que esse
tipo de cidadania contribui para a criação de ambientes
cínicos nos quais a pilhagem triunfa. De acordo com
Slavoj Žižek, autor de
Vivendo no fim dos tempos
(Boitem-
po Editorial, 2012), desde as cruzadas do século 11, até
o Tratado de Versalhes, esses movimentos mostram a
consolidação de atitudes cínicas e passivas.
Dizemque,naChina,quemrealmenteodeiaalguémlan-
çacontraeleaseguintemaldição:“Quevocêvivaemtempos
interessantes!”.Historicamente,os“temposinteressantes”
foram períodos de inquietação, guerra e luta pelo poder
em que milhões de inocentes sofreram as consequências.
Hoje, claramente, nos aproximamosdeumanovaépocade
temposinteressantes.DepoisdedécadasdeEstadodebem-
-estar social, nas quais os cortes financeiros se limitavam
a breves períodos. Nestes tempos, entramos num “novo”
período em que a crise econômica se tornou permanente,
acabando comumestilo de vida.
Jorge Lorenzo Valenzuela Montecinos
Professor da ESPM-SP, doutor pela Universidade de Paris em História
Social, pós-doutor pela USP em Política Internacional e Comparada,
especialista em Ética pela PUC-Seminário Campinas-SP
Em1903, osEstadosUnidos
montouumabasemilitar naBaíade
Guantánamo. Desdeentão, o local
temsidousado, na teoria, como forma
de”proteção”ao territóriocubano.
Naprática, abrigaaprisãoqueéumdos
maioressimbolosde injustiça domundo
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