janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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consistente alavanca para umcomportamento hígido. A
esperança de recompensa transcendente constitui efi-
ciente estímulo para o conduzir-se na imanência do bom
proceder.Nãoédemasia recordar asurrada frase: “SeDeus
não existe, tudo é permitido”.
AmortedeDeus foi anunciadapor FriedrichNietzsche,
amortedohomemfoi proclamadaporMichel Foucault ea
morte dahistóriapor Francis Fukuyama. Por issomesmo
é que nossa era chegou a ser chamada de
a grande deso-
rientação
. Era do descartável, do efêmero e de uma cul-
tura
hiper
, na conhecida linguagemde Gilles Lipovetsky.
O
capitalismo selvagem
produziu uma cultura de
hiperconsumo, situação bem analisada pelo pensador
contemporâneo: “Até os anos 1970, os bens adquiridos
e os símbolos do consumismo eram prioritariamente
familiares: o carro, os aparelhos domésticos, o telefone,
a televisão, o equipamento de somhi-fi. A era hipermo-
derna caracteriza-sepor umanova revoluçãoconsumista
em que o equipamento concerne essencialmente aos
indivíduos: o computador pessoal, o telefone móvel, o
i-Pod, o GPS de bolso, os videogames, o smartphone”,
apontam Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, no livro
A
cultura-mundo — resposta a uma sociedade desorien-
tada
(Companhia das Letras, 2011). O significado de
tal mudança é o controle exclusivamente pessoal do
tempo livre, a dedicação voltada ao próprio interesse
e a edificação de um mundo egoísta.
Simultaneamente, acentuam-se as desigualdades e a
exclusão é a regramais observada em todas as socieda-
des de hoje. A legião dos despossuídos émuito superior
à casta dos que sobrevivem com facilidade e não pade-
cemde escassez dos bens da vida. Autores comoMichel
Onfray sãobastante cáusticos aocomentaremoaumento
dosmoradores de rua: “Sujos, hirsutos, fedorentos, vesti-
dos de farrapos, amarrados como embrulhos, protegidos
por artefatos que são tambémuma colagemdedejetos, os
mendigos aumentam frequentemente sua claudicação
pelo uso do álcool como único viático, único revigorante
permitido para atravessar as provas do frio, da fome, da
noite, da solidão, do abandono e do isolamento”, observa
o autor de
A política do rebelde — tratado de resistência e
insubmissã
o (EditoraRocco, 2001). Embora a realidadepor
ele focada seja a de Paris, cujos
banlieues
são tomados por
uma turbamarginalizada oriunda das colônias, aqui no
Brasil a situação não é muito diversa. Com a agravante
de que a droga se disseminou por todos os ambientes e
multiplica os semperspectiva que renunciama qualquer
valor e ocupam espaços públicos e desvãos privados.
Aqueles que poderiam e deveriam se preocupar com
os ideais da igualdade são os que mais se beneficiam
da crescente desigualdade. Ávidos de poder, não hesi-
tam na espoliação dos mais fracos. Traduz a formata-
ção do tipo ideal de homem para o exacerbado capi-
talismo reinante: “Seu retrato é conhecido: iletrado,
inculto, ávido, limitado, sacrificando-se às palavras
de ordem da tribo, arrogante, seguro de si, dócil, fraco
A legião dos despossuídos émuito
superior à casta dos que sobrevivem
com facilidade e não padecemde
escassez dos bens da vida
”Ah, que sabeis da felicidade dohomem, vós almas
confortáveis e bondosas!Pois felicidade e infelicidade são
duas irmãs gêmeas que, oubemcrescem juntas, ou então,
como é o vosso caso, continuampequenas juntas!”
Nietzsche
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