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janeiro/fevereirode2014|

RevistadaESPM

27

consistente alavanca para umcomportamento hígido. A

esperança de recompensa transcendente constitui efi-

ciente estímulo para o conduzir-se na imanência do bom

proceder.Nãoédemasia recordar asurrada frase: “SeDeus

não existe, tudo é permitido”.

AmortedeDeus foi anunciadapor FriedrichNietzsche,

amortedohomemfoi proclamadaporMichel Foucault ea

morte dahistóriapor Francis Fukuyama. Por issomesmo

é que nossa era chegou a ser chamada de

a grande deso-

rientação

. Era do descartável, do efêmero e de uma cul-

tura

hiper

, na conhecida linguagemde Gilles Lipovetsky.

O

capitalismo selvagem

produziu uma cultura de

hiperconsumo, situação bem analisada pelo pensador

contemporâneo: “Até os anos 1970, os bens adquiridos

e os símbolos do consumismo eram prioritariamente

familiares: o carro, os aparelhos domésticos, o telefone,

a televisão, o equipamento de somhi-fi. A era hipermo-

derna caracteriza-sepor umanova revoluçãoconsumista

em que o equipamento concerne essencialmente aos

indivíduos: o computador pessoal, o telefone móvel, o

i-Pod, o GPS de bolso, os videogames, o smartphone”,

apontam Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, no livro

A

cultura-mundo — resposta a uma sociedade desorien-

tada

(Companhia das Letras, 2011). O significado de

tal mudança é o controle exclusivamente pessoal do

tempo livre, a dedicação voltada ao próprio interesse

e a edificação de um mundo egoísta.

Simultaneamente, acentuam-se as desigualdades e a

exclusão é a regramais observada em todas as socieda-

des de hoje. A legião dos despossuídos émuito superior

à casta dos que sobrevivem com facilidade e não pade-

cemde escassez dos bens da vida. Autores comoMichel

Onfray sãobastante cáusticos aocomentaremoaumento

dosmoradores de rua: “Sujos, hirsutos, fedorentos, vesti-

dos de farrapos, amarrados como embrulhos, protegidos

por artefatos que são tambémuma colagemdedejetos, os

mendigos aumentam frequentemente sua claudicação

pelo uso do álcool como único viático, único revigorante

permitido para atravessar as provas do frio, da fome, da

noite, da solidão, do abandono e do isolamento”, observa

o autor de

A política do rebelde — tratado de resistência e

insubmissã

o (EditoraRocco, 2001). Embora a realidadepor

ele focada seja a de Paris, cujos

banlieues

são tomados por

uma turbamarginalizada oriunda das colônias, aqui no

Brasil a situação não é muito diversa. Com a agravante

de que a droga se disseminou por todos os ambientes e

multiplica os semperspectiva que renunciama qualquer

valor e ocupam espaços públicos e desvãos privados.

Aqueles que poderiam e deveriam se preocupar com

os ideais da igualdade são os que mais se beneficiam

da crescente desigualdade. Ávidos de poder, não hesi-

tam na espoliação dos mais fracos. Traduz a formata-

ção do tipo ideal de homem para o exacerbado capi-

talismo reinante: “Seu retrato é conhecido: iletrado,

inculto, ávido, limitado, sacrificando-se às palavras

de ordem da tribo, arrogante, seguro de si, dócil, fraco

A legião dos despossuídos émuito

superior à casta dos que sobrevivem

com facilidade e não padecemde

escassez dos bens da vida

”Ah, que sabeis da felicidade dohomem, vós almas

confortáveis e bondosas!Pois felicidade e infelicidade são

duas irmãs gêmeas que, oubemcrescem juntas, ou então,

como é o vosso caso, continuampequenas juntas!”

Nietzsche

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