janeiro/fevereirode2014|
RevistadaESPM
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traduzida por Edgar Morin, em
A via para o futuro da
humanidade
(EditoraBertrandBrasil, 2013): “Agigantesca
crise planetária é a crise da humanidade que não conse-
gue atingir o estado de humanidade”. Daí a proposta da
metamorfose: “Quando um sistema é incapaz de tratar
seus problemas vitais, ou ele se degrada, se desintegra,
ou se revela capaz de suscitar um metassistema apto
a tratar de seus problemas: ele se metamorfoseia”, diz
Morin. Os realistas dirão que é difícil converter omundo
insensato, egoísta, consumista, narcisista, materialista
numa fraterna comunhão de seres humanos cônscios
de sua fragilidade e do quão efêmera é sua vida sobre
a Terra. Por isso, a probabilidade maior seria a desin-
tegração do sistema civilizatório, corroído pelo abuso
dos recursos naturais, todos finitos e perecíveis. Mas,
ainda que improvável, não é impossível ametamorfose.
Ela virá mediante o exercício contínuo de uma capa-
cidade de indignar-se e de não transigir comomal. Não
depende de ninguéma restauração interna da crença no
mundomais fraterno, se cada umde nós começar a agir
assim. A começar na própria família. Grupo sanguíneo
ou cimentado no afeto. Cada núcleo familiar é uma incu-
badora da felicidade possível sobre o planeta.
Ao tomar conhecimento de que a Venezuela criou um
Ministério da Suprema Felicidade, comecei a questionar
qual seriaomeuconceitode felicidade.Assimcomoa ideia
de justiçaémaisnítidaquandoseexperimentaa injustiça,
o conceito de felicidade émenos tangível do que a sensa-
çãode infelicidade. Essa éuma questão recorrente e inso-
lúvel, como aponta a observação de Nietzsche: “Ah, que
sabeis da felicidade do homem, vós, almas confortáveis
e bondosas! Pois felicidade e infelicidade são duas irmãs
gêmeas que, ou bem crescem juntas, ou então, como é o
vosso caso, continuam pequenas juntas!” — que é citada
por ChristopheAndré em
Viver feliz — a construção da feli-
cidade
(EditoraMartins Fontes, 2006).
Ser feliz é um estado de espírito que poucos seres
humanos conseguem atingir, nada obstante se possa
justificar a vida como a eterna busca da felicidade. Para
os que têmconsciência, empenhar-se em realizar a sua
cota-parte para tornar a vida alheia um pouco menos
atormentada e angustiante é caminhar rumo à conse-
cução da própria felicidade.
A felicidade é um fim em si mesma. A eudemonia dos
gregos, queAristótelesconseguiudefinir: “Aocontráriode
todos os outros bens que buscamos tendo emvista outra
coisa, a felicidade é buscada por elamesma: é o soberano
bem. Naquiloemquenãoháacordoé sobrea suanatureza
e adefiniçãodoque ela é”. Esse trechode
Ética aNicômaco
aparece tambémnaobradeChristopheAndré. Paraaquele
que se reconheceparte integrantedeumconvíviodeética
deficitária, suprir essa carência pode ser um atalho para
sentir-semais feliz.Alémdisso, reconhecer-sefinito, frágil
e dependente, cultivar bons hábitos, amar e querer bem,
enamorar-sedaexperiênciavital, tudo isso tambémcons-
titui boa receita. Sealguémdescobrir outra,mais eficiente
e fácil, por favor, partilhe a descoberta comigo.
José Renato Nalini
Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
”A família, ao repousar sobre a uniãomais oumenos
duradoura e socialmente aprovada de umhomem,
de umamulher e de seus filhos, é umfenômeno universal,
presente emtodos os tipos de sociedade”
Claude Lévi-Strauss
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