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família

Revista da ESPM

| janeiro/fevereirode 2014

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com os fortes, forte com os fracos, simples, previsível,

amante arrebatado dos jogos e dos estádios, devoto do

dinheiro e sectário do irracional, profeta especializado

em banalidades, em ideias curtas, tolo, néscio, narci-

sista, egocêntrico, gregário, consumista, consumidor

de mitologias do momento, amoral, desmemoriado,

racista, cínico, sexista, misógino, conservador, reacio-

nário, oportunista, portador ainda de alguns traços da

mesma natureza que definemum fascismo ordinário”,

acrescenta Michel Onfray.

Entretanto, no discurso e na retórica prevalece o tom

de preocupação comos excluídos. Desde a doação de ali-

mentos, desvinculada do “ensinar a pescar”, até aomidi-

áticomecenato de quemse diverte emnome da filantro-

pia. A caridade é um espetáculo cínico, a servir mais a

quem o protagoniza do que ao pretenso destinatário.

Pois “na falta de justiça, o sentimento promovido como

caritativo se apoia nas associações de voluntários, nas

sociedades de caridade, as doações solicitadas pormeio

de grandes espetáculos nos quais o mundo midiático,

entrando emcena, exacerbando o sistema, distribui os

emolumentos de uma noite sob pretexto humanista de

tornar amiséria suportável. E quando uma coisa parece

suportável, torna-se difícil, impossível, impensável sua

supressão”, esclarece Elisabeth Roudinesco.

Existe perspectiva de recuperação dos valores diante

desse quadro apenas empoucos pontos abordados?

Otimistas enxergam horizonte alvissareiro. No livro

A família em desordem

, Elisabeth mostra que há futuro

para a família: “Para aqueles que tememmais uma vez

sua destruição ou sua dissolução, objetamos, emcontra-

partida, que a família contemporânea, horizontal e em

‘redes’, vem se comportando bem e garantindo correta-

mente a reprodução das gerações”. Os jovens ainda se

casam. O divórcio não fez desaparecer a instituição do

casamento. É que, “despojado dos ordenamentos de sua

antiga sacralidade, o casamento, emconstante declínio,

tornou-se ummodo de conjugalidade afetiva pelo qual os

cônjuges — que às vezes escolhemnão ser pais — se prote-

gem dos eventuais atos perniciosos de suas respectivas

famílias ou das desordens do mundo exterior. É tardio,

reflexivo, festivo ou útil, e frequentemente precedido de

umperíodo de união livre, de concubinato ou de experi-

ências múltiplas de vida comum ou solitária”, assegura

Elisabeth emsua obra.

Luc Ferry vai além. Após concluir que o século 20 agiu

como umácido, eliminando valores tradicionais, coma

desconstrução dos princípios da igualdade, liberdade e

fraternidade, ele afirma que a reconstrução desses valo-

res ou ideias reside exatamente no âmbito da vida pri-

vada. Para o autor de

Famílias, amo vocês — política e vida

privada na era da globalização

(Editora Objetiva, 2008),

não se deve abandonar a preocupação com o coletivo e

os grandes projetos. Ao contrário: “Simplesmente nossa

relação como coletivo, sob o efeito da história da família

moderna, mudou de sentido: a exemplo da preocupação

ecológica, ela se formula hoje em todos os campos, em

termos de ‘gerações futuras’. A questão poderia simples-

mente ser formulada da seguinte maneira: que mundo

queremos deixar para nossos filhos a partir de agora?”,

questiona Ferry. Os valores da vida privada tendemhoje

a se tornar universais. Podemos e devemos inventar

outras possibilidades.

Isso interfere na aceitação do afeto para a formação de

novos núcleos familiares e tambémna forma de se enca-

rar a educação. “Se quero que meus filhos se esforcem

na escola, não é, confesso, pela grandeza da França ou a

serviço da ideia republicana, mas para eles próprios... e

para os outros, para aqueles comquemcompartilharão

a vida, porque estou convencido de não haver existên-

cia bem-sucedida, nemvida comumdigna desse nome,

sem uma considerável quantidade de trabalho porque

a gente se humaniza e se civiliza”, define Ferry no livro

Famílias, amo vocês

.

O surgimento de grupos que têm idênticas preocu-

pações em relação a temas que afligem a todos — meio

ambiente, consumo de drogas, criminalidade, violência,

faltade emprego, saúde, educação—mostra queninguém

está sozinho quando projeta o porvir.

A espécie humana sabe o que é metamorfose. Tem

exemplos na biologia e consegue enxergar a urgência

de um futuro expungido das máculas que contaminam

a civilização. A síntese da perplexidade presente já foi

Não depende de ninguém

a restauração interna da crença

nomundomais fraterno, se cada

umde nós começar a agir assim