Julho_2006 - page 56

China:
uma viagem rápida
60
R e v i s t a d a E S P M –
julho
/
agosto
de
2006
Fiz dois vôos internos naChina. Nos
dois, avoltaatrasoumais de2horas,
sendo que no segundo, o atraso foi
de 5horas. Grandes atrasos em vôos
internossãocomuns,peloquemedis-
seramocidentaisretidos juntocomigo.
A explicação seriaqueos aeroportos
chineses, incluindoodePequim,não
seriam dotados ainda de sistemas de
navegação que permitissem o pouso
com nevoeiro, obrigando as com-
panhias apararemdevoar, quandoo
tempo fecha. Mas omais estranho é
que por três das cincohoras ficamos
fechados noavião. Isto também seria
umprocedimentocomumnocasode
atrasos. A única razão que consegui
imaginarpara istoéqueassimganha-
seo tempodeacomodarospassagei-
ros abordo, quandodamelhoriadas
condiçõesmeteorológicas.Oconforto
dospassageirosparece terficadorele-
gadoa segundoplano.
Outra coisa queme surpreendeu foi
o nível de interferência do governo
e do partido no cotidiano. No
tour
para a Muralha da China, o ônibus
parounuma fábrica de jade e noutra
de cerâmica, além de numa casa de
massagemparaospés,supervisionada
pormédicoschineses.Nasduas fábri-
cas, houve uma rápida visita a uma
linhadeprodução, acompanhadade
explicações sobre o processo e um
bom tempoparavisitaecomprasnum
amplo
show-room
. Na casa demas-
sagem,nos foioferecidoum
check-up
comummédico chinês e apossibili-
dadedeadquirirmedicamentos indi-
cados para o nosso caso, em função
do diagnóstico. Um turista do grupo
protestouveementementecontraestas
paradas que, segundo ele, deveriam
ter sido, nomínimo, anunciadas pre-
viamente.Aguiaexplicouqueelassão
determinadaspelamunicipalidadede
Pequim,comoobjetivodesustentaras
vendasdos empreendimentos.
Aindacomrelaçãoa interferênciasdo
governooupartidonavidadocidadão
comum, écertoqueochinês precisa
de autorização oficial para mudar-
se do campo para a cidade. Uma
professora de Espanhol, ensinando
numa grande universidade chinesa,
sustentou que, em toda a China, é
adotadoomesmométododeensino
daquele idioma, baseadonummate-
rial didático já bastante antigo. Não
seria possível adotar outro método.
Para ser efetivado como professor
do idioma, após concluir o bachare-
lado, a única exigência seria o bom
desempenho num curso de filosofia
políticadopartido.Este tema também
ocuparia as primeiras semanas de
aulados recém-admitidos nos cursos
de graduação. Às sextas, as tardes de
muitos funcionários têmdeser,obriga-
toriamente, dedicadas ao estudo da
doutrina do partido, que submete os
funcionáriosaexamesdeproficiência
nestadoutrina,segundoumgerentede
fábricacomquemconversei.
Aondetudo
istonosleva?
Na literatura sobre poder, há um
conceito-chave para fazer previsões
sobre o desenvolvimento da China.
Chama-se
stickness to power
, termo
que não tem tradução simples para
o português.
To stick
é grudar, ficar
fortementeaderido.Apesquisamostra
que, nas organizações, com freqüên-
cia, grupos conseguem reunir poder
suficienteparagarantirpara sibenefí-
cios desproporcionais ao valor que
agregam. Estes grupos, geralmente,
alcançaramestasposiçõesem função
NoTa
1
O índiceGini é uma dasmedidas de concen-
tração de rendamais utilizadas na economia.
Um índice de zero corresponderia a uma
renda distribuída perfeitamente, a ausência de
desigualdades. Um índice 100% corresponderia
a uma renda totalmente concentrada emuma
única família. O índiceGini para oBrasil é próxi-
mo a 60%. NaDinamarca, Suécia, Finlândia,
Noruega e no Japão o índice é inferior a 30%.
IlanAvrichir
Professor da ESPM
das suas contribuições no passado.
Quando as condições mudam, eles
conseguem impedir a alteração das
posições de força relativas. Isto cos-
tuma ter conseqüências negativas
para a eficáciadas organizações.
Talvezoquedeterminará seaChina
vai conseguir continuar acrescer ao
ritmoqueovêm fazendoécomoos
membros da oligarquia dominante
vão lidar com o fenômeno do
stick-
ness topower
.Àmedidaqueaclasse
empresarialemédiaaumentaepassa
a contribuirmais, haverá condições
deopodermigrar de forma relativa-
mente tranqüila para os novos seg-
mentos?Ouesta transição só se fará
de forma violenta, à semelhança do
que ocorreu em outros momentos
dahistóriadaquelepaís?Opoderna
Chinaestámaisconcentradodoque
namaioriadosdemaispaíses,mesmo
dos emergentes. Se o que acontece
nas organizações complexas ocorre
também com países, esta transição
tende a sermais difícil lá do que cá
ou alhures. Seme permitem opinar,
estaéaquestãocríticaquedetermi-
naráaevoluçãodaChinanosmeses
e anos próximos.
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