Revista daESPM –Maio/Junho de 2002
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apercorrer. 10
800
significaonúmero10
seguido de 800 zeros! Esse número é
inimaginávelpeloprópriocérebro, con-
siderando que os cientistas calculam
que, em todooUniverso, existem10
100
átomos. (Perdão por lembrar: 10
800
não
éoitovezesmaiordoque10
100
,massim
“zilhões” e “zilhões” de vezesmaior!)
(O Cray-2, querido leitor –
construído em 1996 pelo Laboratório
National Lawrence Livermore, em
Wisconsin, como o computador mais
veloz e poderoso domundo – não pas-
sa,
em termos de possibilidade de pen-
samento
, de uma engenhoca rapidinha
mas rudimentar, comparada à estrutura
infinitamentemaravilhosaqueseencon-
tra em sua cabeça!)
Fatos: océrebrohumanoé realmen-
tedivididopordoishemisférios, porém
unidos por um feixe de 200milhões de
fibras nervosas (corpo caloso) que os
integra.Normalmente, em facedequal-
querdanoemumdoshemisférios, oou-
tro assume as funções da área prejudi-
cada.Além disso, o cérebro do cavalo,
dabaleia,docoelho,oudequalquerani-
mal superior, também é dividido por
dois hemisférios, ligados pelo corpo
caloso: mas nenhum deles, ao que eu
saiba, demonstrouatéhojepensamento
racional.
Nãoéóbvioconcluir, apenaspores-
ses fatos, quequalquer idéiaou raciocí-
niohumanopasse, bilhõesdevezes, an-
tes de nascer, por
todos
os hemisférios
disponíveis?
Mais fatos: esse corpo caloso já foi,
empacientesepilépticos, cirurgicamen-
te seccionado, como tentativa de con-
trole domal. Tais pacientes, surpreen-
dentemente, vivem, de forma absoluta-
mente normal (se não considerarmos
suaepilepsia,pois, em relaçãoaela, tais
intervenções se provaram paliativas),
exceto pequenos transtornos, que vou
aqui selecionarpeloquenos interessam
nomomento: amãodireita, controlada,
prioritariamente, pelo hemisfério es-
querdo, o de prioridade racional, ainda
podeescrevermas jánãoécapaz–nes-
ses pacientes com o corpo caloso
seccionado–de fazerdesenhos, enquan-
tocomamãoesquerdaaconteceoopos-
to; para ler, têm de colocar os livros do
ladodireitodoseucampovisual, de for-
ma que as palavras sejam transmitidas
paraohemisférioesquerdo, odepredo-
minância verbal.
Que importância
prática
tem isso
para você, leitor, que não teve, como
acredito, o corpo caloso seccionado?
Enoteque todosessesfenômenos(al-
guns constrangedores: nesses pacientes
pós-operatórios, a mão esquerda usual-
mentecooperacomadireitamasàsvezes
podeafastar-se, distraidamente, emativi-
dades independentes)sópuderamatéhoje
ser observados em alguns poucos
epilép-
ticos
, pois nunca se soube de indivíduo
normal algum que tivesse concordado
em ter duzentosmilhões de fibras cere-
brais cortadas para atender à pesquisa
de alguém...
Eexperiênciascommacacosnãopro-
vam nada sobre o assunto, uma vez que
nossos criativos primos não possuem o
pensamento lógico...
Que sabemos hoje, sobre o cérebro,
em plena Década do Cérebro? Locali-
zação de algumas funções, algumas
substâncias químicas ligadas a certas
emoções, sua reaçãoacertasdrogas, tal-
vezumpoucomais.Sabemos,porexem-
plo, comoas letrasdeste livroestãosen-
do levadas,por fótons luminosos, atésua
retina, leitor, de lá transmitidas, através
donervoóptico–quenãoépropriamen-
te um nervo mas uma extensão do pró-
priocérebro–atéo lobooccipital. Ponto
final.Apartirdaí, ninguémpossui amais
tênue comprovação – apenas especula-
ções imaginosas–decomo tais letrasvão
se transformaremconhecimento, concor-
dância, discordância, curiosidade,
irritação, humor, crítica ou inspiração –
enfim, em experiência psicológica pes-
soal, humana.
Nem sequer sabemoshojeas funções
específicasdos lobos frontais, justamente
aqueles cujos desenvolvimentos mais
diferenciaram o cérebro humano do dos
primatas (irracionais), dando ao nosso
rosto a característica da testa. Estão in-
cluídas entre as chamadas “áreas silen-
ciosas do cérebro”, que, quando estimu-
ladas por corrente elétrica, não ocasio-
nam nem pensamento, nem lembrança,
nem sensação, nemmovimento. Podem
ser decepadas (lobotomia cerebral) sem
que com isso a pessoa morra, fique de-
menteou incapacitadapara falar (massua
personalidademuda).
Em27de janeirode1996–épocaem
que escrevia meu livro –, o
Jornal do
Brasil
publicou enquete queCharlesM.
Vest, diretor doMassachusetts Institute
ofTechnology (MIT), “a instituiçãomais
prestigiadadomundonaáreadeciências”,
promoveu sobre o tema “Oque não sabe-
mos: perguntas que a ciência não conse-
gue responder”.No item
Amente
, aavali-
ação é muito clara: “Nós não sabemos
como aprendemos e nos lembramos, ou
comopensamosenoscomunicamos.Tam-
bém não conhecemos a natureza química
ou física do armazenamento de informa-
ção.Não sabemos emque regiãoa infor-
mação é guardada, como ela é retida ou
mesmo se há limites para a quantidade
de informação que podemos armazenar.
Nãocompreendemos a relaçãoentre lin-
guagemepensamento.Podemos terpen-
samentos que não possam ser expressos
em palavras?”. SeNÃOSABEMOS se-
quer a região cerebral em que as infor-
mações são guardadas, como dar qual-
quer créditoaquemdizque sabeemque
“Ocasoéquea
maioriadas
pessoasnãodáao
cérebrodireitoa
oportunidadede
mostrarseus
talentos.”