Maio_2009 - page 34

R e v i s t a d a E S P M –
maio
/
junho
de
2009
34
De tiaNastácia a
FerranAdrià
fígado o honesto e brasileiríssimo
AzumaKirin, hojecomparadocom
desprezo aos californianos, o que
dirá aos japoneses?
Um dia alguns
chefs
franceses se
rebelaram e proclamaram “Chega
degordura!Chegadecremede leite!
Chegademanteiga!Chegade sal”E
aFrançaacordoumais triste.Opurê
de batata foi substituído pelo purê
de brócolis. As carnes malpassadas
sumiram.Ashortaliças frescasganha-
ram
status
dehomeopatia.Osqueijos
amarelos foram todos enviados para
o consumo de Satanás. E o queijo
fresco, insípido e sem sal, apareceu
nos cafés da manhã, companheiro,
por um milagre da natureza, de
umamisteriosa fruta chamada kiwi.
Cortadaem lâminas,a frutamostrava
umdesenho interno tãobonito, que
durante muito tempo as pessoas
tinham pena de comer, até porque
não faziamamenor ideiadoqueera
aquelaestranhaaparição.Perderamo
medo,hojebebematéemcaipirinha,
mas continua sem graça.
Chamou-se a esse movimento
nouvelle cuisine
. Como os livros
dos tais
chefs
demoraram a sair
e como era preciso ir a Paris e
adjacências para comer a tal
nouvelle cuisine
, o movimento
demorou a viajar e fazer parte
do tal “um mundo só comen-
do, todos, as mesmas coisas”.
Demorou mas viajou.
Chefs
importantes demais, de todas
as partes, foram para a França
aprender o que era isso. E
chefs
franceses viajaram pelo planeta,
estabelecendocabeçasdeponteem
cidades importantes como Tóquio
e Rio de Janeiro. Sim, isso mesmo,
Rio de Janeiro. Paul Bocuse trouxe
Laurent Suadeau e Gaston Lenôtre
trouxe Claude Troisgros, ambos até
hoje em terras brasileiras, onde se
notabilizaram por misturar frutas e
temperos brasileiros às preparações
mais tendentesauma
nouvellecuisi-
ne
doqueaumacozinha tradicional
francesa, que ambos – diga-se de
passagem – dominam com grande
maestria.
Logoomundoseveriadiantedepra-
toscuidadosamente
leiautados
, com
oscomponentesprincipaisajeitados
comominiaturas esculturaisnocen-
tro,earabescosdesenhadosemvolta.
Odistintopúblico levou tempopara
perceberqueessesdesenhoseramos
molhos descritos no cardápio como
os acompanhamentos das estrelas
das receitas.Atéhoje a gastronomia
mundial se divide em restaurantes
que servempratosnormais e os que
servempratos queo jornalista José
Roberto Guzzo chama de “prato
grande com comida pequena”.
No mundo inteiro. Um mundo
só, comendo cada vezmais igual.
Íamos todos felizes e contentes,
comendo nossos hambúrgueres e
nossas pizzas e nossas massas e
nossos sushis e nossos cassoulet
e nossa
cuisine minceur
(“quel
horreur”...), quando – catapum!
– um novo cataclismo abalou os
pratos e os copos e os talheres dos
restaurantesdomundo inteiro.Aliás,
nessa revolução, os pratos e os
copos e os talheres não são mais
usados para as mesmas funções
para que foram designados nas
últimas décadas.O risoto sebebe,
o nhoque se cheira, o assado se
toma como uma sopa, o caldo se
morde, a rabadaéumaespuma, os
doces são gotas que escorrem de
uma ampola; só o vinho continua
vinho, bebido em copos, pela
eternidade dos séculos.
O sacerdote da nova era se chama
Ferran Adrià e seu templo é o res-
O kiwi, cortado em lâminas, mostrava um
desenho interno tão bonito, que durantemuito
tempo as pessoas tinham pena de comer.
s
Chris
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