Entrevista
R e v i s t a d a E S P M –
março
/
abril
de
2009
14
que o sustenta. Não se pode mudar
issododiaparaanoite, atéporquehá
algumas categorias que precisam de
estabilidade. Mas daqui para a frente
temosdecomeçarainstituirumsistema
emque, dentrode20anos, estejamos
num regime realmente republicano, e
nãointeressaondeestou,senosetorpri-
vadoouno setorpúblico, todos temos
aquelemínimo igual, depois cadaum
constróiepaga.Esta talvezsejaamaior
violênciada sociedadebrasileirahoje.
José Francisco – A educação
básicaseriaoutra.
Delfim –Acho que émais grave do
que isso. O sistema capitalista, para
ter moralidade, precisa que haja
igualdade de oportunidades; ele é
uma corrida, uma competição feroz,
um pisa na cabeça do outro. Numa
corrida, éprecisoque todos saiamdo
mesmo lugar,que tenhampelomenos
duaspernas,paraacoisa ser razoável.
Não importa se o ovo foi fertilizado
embaixodeum lampiãodegásouno
PlazaAthenée,nasaladapresidência;
uma vez fertilizado, todos deveriam
teromesmo tratamento.Querdizer, a
mãe ser cuidadadamesma forma, ter
amesmaeducação,mesmahigiene,a
criançaseracompanhada,quandonas-
cesse, teramelhorassistência, receber
alimentaçãoadequadaduranteos seis
primeirosanos–queéahoraemque
estáconstruindooaparatodeapreen-
sãodomundo e, depois, estar prepa-
radaparaacompetição.Aimoralidade
estánopontodepartida.Aeducaçãoé
umdos pontosmais importantes para
essaequalização–aeducação,asaúde
eaassistênciaàmãe.
Gracioso – A educação não é
tudo, talveznemsejaomais impor-
tante.Omais importanteé a carga
familiar,queoindivíduotrazcomele
quandoentrana escola. Essa carga
familiar – talvez seja issoque você
estádizendo – sofre com a faltade
assistênciaàmãe,à família...
Delfim – Ele já entrana escola com
umhandicap.Oaparatodeapreensão
domundodele,ao invésde terosseus
100 bilhões de neurônios, tem 72.
Este jáéumgabiru,antesdecomeçar
o jogo. Esta foi a intuitiva descoberta
do Lula, de que esta igualdade de
oportunidadesé,naverdade,omaior
calmante para a sociedade. Quando
você dá à sociedade a esperança de
quevocêestácaminhandoparauma
maior igualdade, é tudoque ela pre-
cisa para ter paciência de esperar a
igualdadedeoportunidades.Quando
se tentaesta igualdadepelaviolência,
termina de novo em desigualdade
de oportunidades.Você levanta uma
questãomuito interessante:ohomem
é sorte, queéa loteriagenética, eéo
ambiente,éacombinaçãodessasduas
coisas.Você temde igualarnocome-
ço, porqueo resultadovai ser sempre
diferenteeeleédiferente,porquenós
somosdiferentes, nós temosestoques
genéticosdiferentes.
JoséFrancisco–Quebomque
sejamosdiferentes.
Delfim–É issoquegaranteavariabi-
lidade.Nóssó resistimosàsmudanças
domundoporque temosvariabilidade
interna suficiente, paranosajustar aos
novosnichosqueestãosurgindo,osou-
trosanimaisnãoconseguiram isso. Eu
semprebrincodizendoque“asfamílias
que saíram da África já tinham isso
dentro delas, por isso que chegaram
aondechegaram”.
Gracioso – Há um ponto que
gostariade levantar.Vocêmencio-
nou, de passagem, o Friedman;
li outro dia um livro do Eduardo
GianettiemqueelecitaoFriedman
como um dos responsáveis pelo
queelechamade“egoísmoético”
que tomou conta do mundo. O
Gianetti diz que “atémeados do
SéculoXXprevaleciaopensamento
econômico voltado para o social”
–nãosei seeleestácertonisso.
José Francisco –Achoque é
um exagero.
Gracioso –Dequalquer forma,
diz ele, Mandeville e Friedman
foram os responsáveis pela virada
brusca, aeconomiapassouaprivi-
legiaroindividualepregarariqueza
individual como solução para a
coletiva.Você concorda com isso?
Porque isso leva, de certa forma,
à negação do neoliberalismo e à
negaçãodoEstadoenxutoequanto
mais leve,melhor.
Delfim – Não. Primeiro, não há
desenvolvimentosemoEstado indu-
tor. É tudo conversamole,
chantilly
de economistas que construíram
teorias fantásticas. Algumas dessas
teorias, como o caso das expecta-
tivas racionais – emminha opinião
–éumavoltaparaomundodeantes
de Galileu. Galileu foi o primeiro
a explicar como é que funciona a
natureza; foi lá e jogou uma pedra,
parasaber se realmentecaíaaomes-
mo tempo, comodiziaoAristóteles.
}
Esses economistas têmapretensãode
ensinar a sociedadecomo secomportar.
~