entrevista | Maílson da Nóbrega
Revista da ESPM
|maio/junhode 2013
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Alexandre –
Quando vejo o título do
seu filme, lembro daquela discussão
sobre o “descolamento” dos países emer-
gentes no auge da crise de 2008. Dizia-se
que os emergentes não iam se conta-
minar, que tudo não passaria de uma
marolinha. Depois, descobrimos que
isso não seria possível. Você não está
revivendo a tese do descolamento, está?
Maílson –
Não. O Brasil deu certo
porque atingiu um estágio no qual
não há mais retrocesso. No campo
político, dificilmente voltamos a ser
uma ditadura. No campo econômico,
dificilmente voltamos a experimen-
tar episódios de hiperinflação. Poucos
países atingemesse estágio. Isso é de-
corrência de uma série de condições.
Alexandre –
Que condições são essas?
Maílson –
Nas últimas três décadas,
o Brasil construiu um conjunto de
instituições que inibe aventuras e
permite ao país se tornar previsível.
Uma condição é a democracia, um
valor consolidado. Você não encon-
tra hoje, a não ser em raríssimas
mentes doentias, alguém que defen-
da o retorno ao autoritarismo.
Alexandre –
Mas tem gente incomo-
dada com a independência do Poder
Judiciário, do Ministério Público e
mesmo da imprensa. É um quê de auto-
ritarismo, não?
Maílson –
Você pode até ter correntes
de opinião que, sob o manto da demo-
cracia, queremo controle damídia. Há
mentes que queremsubmeter o Supre-
mo ao crivo e ao controle do Congres-
so, o que seria um enorme retrocesso.
Mas são minorias, incapazes de fazer
sua vontade prevalecer. O Brasil tem
um Judiciário independente, ainda
que com todas as suas deficiências: a
lentidão, um processo arcaico, juízes
aqui e acolá corruptos, muitos anti-
capitalistas. Mas o valor do Judiciário
é sua independência, sua autonomia
quanto a grupos de pressão, sobretudo
dos poderes Executivo e Legislativo.
Se alguém tinha dúvida disso, o [
jul-
gamento do
] Mensalão deve ter dissi-
pado, embora estejam voltando os re-
ceios de que algumas sentenças sejam
reformadas para beneficiar os réus.
Alexandre –
Que outros avanços insti-
tucionais são dignos de nota?
Maílson –
OBrasil tem imprensa livre
e independente. A grande mídia bra-
sileira é autônoma em relação ao go-
verno. Ela ganha dinheiro, sobrevive,
se fortalece e se expande através da
propaganda, da venda em banca, da
assinatura. Nesse sentido, exerce um
papel fundamental, que é o de crítica.
São os olhos da sociedade para a fisca-
lização do governo. Nenhum governo
gosta desse trabalho, até porque, às
vezes, ele tem os seus excessos. Mas
os excessos têm de ser tratados no
ambiente democrático, institucional.
Alexandre –
E no campo econômico, o
saldo também é positivo?
Maílson –
O Brasil tem uma socieda-
de que mudou suas crenças. Até anos
atrás, nós brasileiros comprávamos
uma ideia tola, quase uma lorota,
segundo a qual a inflação tinha um
papel no desenvolvimento. Um pou-
quinho de inflação lubrificava as en-
grenagens da economia. Isso é uma
estupidez. Mas nós acreditamos.
Agora, não mais.
Alexandre –
Tem gente que parece
que voltou a acreditar nisso.
Maílson –
São minorias. Mesmo os
que acham que a inflação tem um
papel no desenvolvimento estão con-
vencidos de que ela não pode passar
de 6% — que é uma inflação altíssima.
Mas jánãoqueremmais ade40%, 50%,
60% ao ano. Os mercados funcionam
no Brasil, mesmo com todos os seus
problemas. Isso implica a ocorrência
do que se chama disciplina de mer-
cado. A capacidade que os mercados
têmde precificar riscos e fugir do risco
acaba disciplinando os governos. Eles
são forçados a adotar políticas respon-
sáveis, que preservam a confiança dos
que investeme assumemriscos.
Alexandre –
Não é possível ir longe
demais, na direção errada, sem pagar
um custo alto.
Maílson –
O Brasil pode detectar
e corrigir erros. Essa é uma das ca-
racterísticas de países maduros.
Nem todos os países, fora os ricos,
chegaram a esse ponto. Por exemplo,
a China não tem isso e registra um
êxito econômico indiscutível, um
grande sucesso derivado dos inves-
timentos em educação, que está se
tornando um país inovador. Prova-
velmente, vai se tornar um país de
amplo consumo de massas, com for-
Mesmo os que achamque a inflação temumpapel no
desenvolvimento estão convencidos de que ela não
pode passar de 6%– que é uma inflação altíssima.
Mas já não queremmais a de 40%, 50%, 60%ao ano