entrevista | Fernando Sampaio
Revista da ESPM
|maio/junhode 2014
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Alexandre –
Esta edição da
Revista
da ESPM
gira em torno do conceito
de agrossociedades, que são cidades
espalhadas pelo Brasil com economia e
mentalidade baseada no agronegócio.
Quais são os casos de sucesso de agros-
sociedades centradas na pecuária?
Fernando –
A pecuária brasileira
sempre foi atividade de fronteira,
que abriu caminho para a agricultura
e para a ocupação do território. Isso
começou no Rio Grande do Sul, por-
que o gado era europeu e lá temos os
Pampas, um território de pastagens
naturais com todas as condições
para a pecuária se desenvolver. Foi o
primeiro polo da indústria da carne,
que produzia o charque e o couro
para o Brasil inteiro. No final do
século 19, Uberaba (MG) começou a
importar gado zebu, que possibilitou
à pecuária ocupar a região central do
Brasil. Era umgadomais adaptado às
condições tropicais. Depois da intro-
dução do zebu, registramos a expan-
são da pecuária em Minas Gerais e
dali para Goiás, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul. Tem também o Panta-
nal, uma região onde não há nenhum
outro tipo de agricultura viável. E há
as regiões do norte do Mato Grosso
e do sul do Pará, que foram, e ainda
são, ocupadas com pecuária. Em to-
das essas regiões, há cidades inteiras
que giram em torno dessa atividade.
Alexandre –
Ainda existe uma men-
talidade de pioneiros nos grupos que
estão abrindo essas novas fronteiras
que você citou por último? No sentido
de serem sociedades mais igualitárias
nas oportunidades?
Fernando –
Sim. O problema é que
parte dessa ocupação foi feita de for-
ma desordenada, o que causou muito
conflito, porque não se temsegurança
jurídica. O conflito entre terras indí-
genas e assentamentos de produtores
é grande. Então, temum senso de pio-
neirismo grande de gente que saiu do
Sul do país e foi ocupar essas regiões.
Por outro lado, isso gerou conflitos em
determinados pontos.
Alexandre –
Em cidades que estão se
desenvolvendo por conta da pecuária,
você consegue apontar transforma-
ções sociais e econômicas provocadas
pela indústria da carne, além do cres-
cimento populacional?
Fernando –
Sim, até porque a indús-
tria acaba seguindo o caminho do
boi. Houve uma migração da indús-
tria para essas regiões, atrás de ma-
téria-prima. Temos cidades no Brasil
que giram em torno do frigorífico: só
boi em volta e a indústria da carne. A
padaria só funciona porque o frigo-
rífico está em operação. Transporte,
posto de gasolina... a economia local
gira em torno dessa indústria. Tenho
uma foto de 30 anos atrás, da cidade
de Juara, no norte do Mato Grosso, e
uma foto atual desse município. Há
30 anos, a cidade tinha três barracas
de pau a pique no meio da rua. Hoje,
Juara é uma cidade arrumadinha,
comum bompadrão de vida.
Alexandre –
Hoje, qual a importân-
cia das exportações de carne para o
Brasil?
Fernando –
O boi abastece 49 seg-
mentos industriais: carne, couro,
biodiesel, gelatina, indústria far-
macêutica, até fertilizantes que
usam conteúdo bovino. A cadeia,
como um todo, movimenta US$
170 bilhões por ano. A exportação
é parte disso. O Brasil é o maior ex-
portador de carne do mundo. No ano
passado, batemos o recorde: foram
US$ 6,6 bilhões exportados. Mas a
exportação representa apenas 20%
da produção. O resto é tudo mercado
interno. Há geração de emprego em
áreas onde, se não tivesse um frigo-
rífico, não haveria onde trabalhar.
Alexandre –
Para 2014 a expectativa
é obter umnovo recorde de exportações?
Fernando –
No primeiro quadri-
mestre, crescemos 14% e a expec-
tativa é a de chegar perto de US$ 8
bilhões.
Alexandre –
O setor tem uma meta
para os próximos anos?
Fernando –
A demanda mundial
por carnes está crescendo, princi-
palmente nos países em desenvol-
vimento, que hoje têm um consumo
per capita
baixo e um crescimento de
renda alto. A China ainda vai ter um
peso grande na demanda por qual-
quer tipo de carne. Quando compara-
mos o Brasil com seus concorrentes,
Oboi abastece 49 segmentos industriais: carne,
couro, biodiesel, gelatina, indústria farmacêutica,
até fertilizantes que usamconteúdo bovino. Toda
essa cadeiamovimentaUS$ 170 bilhões por ano