s sociedades democráticas
1
industrializadas atri-
buem responsabilidades e direitos aos indivíduos na
sua vida como cidadãos. Nas democracias, pres-
supomos que os cidadãos e cidadãs são capazes de
escolher seus governantes, de educar seus filhos,
de conduzir negócios, de sustentar a si mesmos e a
suas famílias etc. Essa atribuição é concebível
somente sob o pressuposto de que estes indivíduos
são capazes de comportamento autônomo. No
entanto, quando penetramos no mundo do trabalho,
tal autonomia sofre uma espécie de suspensão
porque aí ela assume um aspecto ameaçador para
os interesses que organizam este mundo. Ainda que
esta autonomia não possa ser completamente
eliminada, ela é colocada dentro de limites muito
estreitos e claramente definidos. O taylorismo é a
expressão mais clara desta suspensão de autonomia
do indivíduo na esfera do trabalho. Nos dias atuais,
existem forma mais sutis que aquelas empregadas
pelo taylorismo para obter esta suspensão da
autonomia dos trabalhadores. Todas as formas de
gestão que visam manipulá-los, ou que acabam por
manipulá-los, mesmo quando não é esta a intenção
expressa no discurso, são formas de obter esta
suspensão da autonomia do indivíduo no trabalho
2
.
Esta suspensão da autonomia é realizada sob
o argumento pseudo-ético de "correção ortopédica"
dos trabalhadores que seriam indolentes por
natureza, moralmente incapazes, imaturos para
compreeender as necessidades do mundo do
t r aba l ho. Cabe r ia à ge r ênc ia se l ec i onar os
trabalhadores capazes de se emendar e guiá-los no
caminho do trabalho eficiente, salvando-os de sua
degeneração moral
3
.
O p r e s supos to implícito nestas f o rmas
autoritárias e manipulativas de organizar o trabalho
é a existência de um conflito extremamente severo
entre os interesses que orientam os comportamentos
de dirigentes e de executantes
4
.
Sob o prisma da ética, organizações do
trabalho que implicam tal suspensão da autonomia
são difíceis de serem defendidas porque mutilam
os indivíduos que executam as tarefas
5
. A mutilação
ocorre na f o rma p r á t i ca em que as t a r e f as
aparecem, mas, ocorre também, e principalmente,
na mutilação da possibilidade de criação e de crítica.
A mutilação da crítica e da criação só pode
estabelecer-se em ambientes nos quais o diálogo
não ocorreu ou ocorre entre interlocutores desiguais,
isto é, entre interlocutores de status diferenciado,
que se encontram, dentro da organização, em
posições de poder desigual. Assim, os dirigentes
estão colocados em posições nas quais não
precisam ouvir as críticas, nem aceitar as criações
daqueles que executam as tarefas, nem explicitar o
que estão fazendo na gestão da organização. Os
diálogos são permanentemente rondados pelo
fantasma da coerção e, geralmente, os interesses
coletivos podem ser traídos pela sedução ou
repressão dos representantes
6
, e os fatos mais
importantes da gestão podem ser tratados como
segredos pelos seus dirigentes.
A possibilidade de que as organizações
venham a adotar um compo r t amen to ético,
socialmente responsável, está relacionada à
capacidade de criar ambientes organizacionais nos
quais a autonomia dos indivíduos seja um elemento
intrínseco. Não se trata apenas de respeitar esta
autonomia individual, mas de atribuir-lhe um lugar
central nas filosofias de gestão organizacional.