O desafio é imenso porque isto significa
transformações profundas nas relações sociais que
compõem o mundo do trabalho. Transformações
nas relações de poder, nas práticas dos individuos
e, principalmente, do imaginário que cria e orienta
estas relações e estas práticas. Se desejamos
organizações que respeitem a lei, o que não seria
pouco no caso do Brasil, e que se preocupem em
antecipar às leis naquilo que ela for omissa,
precisamos criar ambientes organizacionais que
estimulem e vivam da autonomia, da crítica e da
criação de seus trabalhadores e que exijam de seus
dirigentes transparência na gestão. Organizações
nas quais o diálogo seja livre da coerção e as
d i s cus sões s e j am vencidas por aqueles que
d e s e nvo l v e r em os me l ho r es a r gumen t os ,
independentemente de sua posição hierárquica.
Nenhuma organização apresenta compor-
tamento ético simplesmente porque busca ampliar
seus mercados, nem porque acredita que esta seja
a melhor postura para o momento. As organizações
só se tornam éticas quando as relações sociais que
as criaram e que as sustentam não permitem que
práticas claramente contrárias a éticas sejam
validadas. Elas só se tornam éticas quando práticas
ilegais, desonestas ou de caráter duvidoso forem
rejeitados socialmente, ou seja, coletivamente.
Numa socidade como a brasileira, as regras
de validação social das práticas organizacionais
estão longe de levar r ea lmen te a sério o
comportamento ético
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. Por exemplo, no caso dos
processos de seleção de candidatos para o ingresso
nas organizações, quando se busca saber dos
antecedentes dos candidatos, em geral, a questão a
responder é se este ou aquele candidato pode
colocar em risco o patrimônio da organização
contratante. Raramente, selecionam-se candidatos
que possam se opor a práticas organizacionais ilegais
ou imorais. A falta de honestidade pode ser vista
com bons olhos se puder ser utilizada pela
organização para enganar concorrentes, clientes,
fornecedores etc.
No ocidente, a desconstrução do conhe-
cimento clássico pela crise posterior à Primeira
Guerra Mundial levou a formas de pensamento
profundamente relativistas. Esta desconstrução do
pensamento clássico parecia entrelaçada à entrada
do c a p i t a l i smo numa f a se de expa n s ão
monopolista. A instituição da produção em massa
acelerava os processos sociais de desenraizamento,
afastando ainda mais os indivíduos de suas tradições
e e t n i a . Camponeses foram atraídos para as
cidades e atrelados às linhas de montagem,
rompendo assim a sua relação milenar com a terra
e com os complexos valores que orientavam suas
ações no trabalho e fora dele. O processo de
mundialização previsto por alguns autores do século
XIX tornou-se crescente parte do cotidiano dos
indivíduos.
Me smo de s c r evendo nos t e rmos mais
dr ás t i cos, a ex t ens ão e p r o f und i d a de das
transformações vividas pelas sociedades do
séculoXX dificilmente seria exagerada. Neste
século, assistiu-se à realização aparente do sonho
do socialismo e sua subseqüente transformação no
pesadelo stalinista.
No campo capitalista, assistiu-se não somente
à ascensão do nazismo, mas, também, na irrupção
da guerra, à conivência tácita dos governos
ocidentais com as atrocidades do regime de Hitler.
Conivência atribuída por muitos a um horror à guerra,
mas que expressava também um estado de espírito
no qual esta conivência era possível e em alguns
aspectos vantajosa
A burocratização das organizações estatais e
privadas ampliou a regulamentação das atividades
dentro e fora das organizações e também tornou
mais rígidas as regras e sua aplicação. A injustiça
e a imoralidade passaram a ocorrer na forma
impessoal do aparelho burocrático, onde é difícil
apontar claramente os responsáveis pelos atos
práticados pela organização.
A mo r a l i dade não e s capou a esta
desagregação e burocratização que atingiu o mundo
ocidental. Afastados de suas tradições religiosas e
culturais e inseridos em organizações burocráticas,
os indivíduos perderam seus antigos referenciais
sem conseguir encontrar novos que os substituíssem
à altura, expondo-se assim a todas as espécies de
manipulações que proliferaram durante este século.
No Brasil, as transformações durante o século
XX também foram profundas e resultaram em
certos aspectos em progressos semelhantes aos
dos países desenvolvidos. Porém a presença de
enormes contingentes de miseráveis agravou
algumas das conseqüências das transformações,
f a z endo dos chamados p r ob l emas éticos
verdadeiras calamidades.