Como nasceu o
Conar
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REV I STA DA ESPM–
S E T EMB RO
/
OU T U B RO
D E
2005
RelataEçadeQueiroz,numadesuas
deliciosas crônicas – creio que na
série
As farpas
, que escrevia de
parceria com RamalhoOrtigão –, a
verdadeira agonia por que passou
quando foi procurado, certamanhã,
“pelo rapazda tipografia”,quevinha
buscar um artigo que havia pro-
metido a um amigo, editor de uma
revista literária... promessa que
estava completamente ausente da
memória do escritor. Conta ele,
então, quepegoudapenae, na falta
de melhor, deu “uma tunda no Bei
deTúnis”, personagemaquemnem
sequerconheciaequenenhuma falta
havia cometido. E o pior é que,
enquanto redigia a matéria, Eça es-
cutavaorapazda tipografiaandando
para lá e para cá, no corredor, com
botas que rangiam.
Fazendo, de certa forma, o mesmo
papel do rapaz da tipografia, o
coordenador deste livro,meuamigo
Renato Castelo Branco, me cobra,
emcartadatadade2-12-88, recebida
váriosdiasdepoispor tersidoenviada
ao meu antigo endereço, a entrega
deste trabalhoparaodia lºde janeiro
de1989.Tenhoeu,porém,oconsolo
dequeoRenatonãoestánocorredor
e, menos ainda, usa botas que ran-
gem. Não conto, tampouco, com o
recursodedar uma tundanoBei de
Túnis,autoridadequeprovavelmente
nem sequer existe, hoje em dia.
O jeito, portanto, é atender à en-
comendaecontribuir paraeste livro
com o artigo prometido há vários
meses, versando sobre a questãoda
ética na publicidade. A esta altura o
leitor estará se indagando sobre a
presença do verso de Fernando
Pessoa, na voz de seu heterônimo
Álvaro de Campos, num de seus
poemas metafísicos, que utilizei
como epígrafe deste escrito.
VOUEXPLICAR
Nos idos de 1977 constituiu a lide-
rança da comunicação no Brasil a
Comissão Inter-associativa da
Publicidade Brasileira, cujo presi-
dente era o nosso saudosoGeraldo
Alonso. Iniciados os trabalhos de
elaboração do documento de
autodisciplinaqueviriaadenominar-
se Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária, o
primeiro relator, meu ilustre amigo
Mauro Bento Dias Salles, deixava,
poucosmeses depois, sua condição
depublicitárioparaassumiradireção
geral dos Diários e Emissoras
Associados. Jáeraeu, então, umdos
membros da Comissão Inter-
associativa,naqualidadedeprimeiro
vice-presidente da ABAP. Fui
intimado pelo presidente daquela
entidade, Oriovaldo Vargas Löffler,
a assumir o difícil cargo de relator.
Recebi deMauro Salles o início do
trabalho eumapilhademeiometro
quecompreendiaosdiversoscódigos
estrangeiros que vinham sendo
consultados e um sem-número de
subsídioscorrelatos.Comocorrerdas
semanas,essapilha foi-seavoluman-
docomnumerosascontribuiçõesque
chegavam e com as quais diversos
companheiros enviavam sugestões
para oCódigo.
Fui, pouco a pouco, deglutindo
todoaquelematerial, enquantono-
vos subsídioscontinuavamachegar,
e, cada vez mais assustado, entrei
numa espécie de letargia – não sei
se voluntária ou involuntária – que
só era amenizada por outro e mais
profundo pensamento que também
poderia servir de epígrafe a estas
páginas: “Nunca está um homem
mais ativo do que quando não faz
nada; nunca está ele menos só do
que quando está consigo mesmo”.
Consigomesmoou“comoscomigos
de mim”, para mais uma vez citar
Álvaro de Campos.
Para satisfazer a curiosidade do lei-
tor, a frase acima, colhida por mim,
há vários anos, de um artigo de
AnnahArendt, no
The New Yorker
,
na década de 70, é atribuída por
Cícero a Catão.
1
Finalmente, enchendo-me de co-
ragem, resolvi iniciar o trabalho
numabelamanhãde sábado.Como
nãohavia levadoa intimorataportátil
do escritório para casa, corri até o
Carrefour e lá comprei umaOlivetti
Tenhoeu, porém, oconsolo
dequeoRenatonãoestáno
corredore,menosainda, usa
botasque rangem.
R