Stalimir
Vieira
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S E T EMBRO
/
OU T UBRO
DE
2005 –REV I STA DA ESPM
“Os mutantes” não carregavam
bandeiras políticas emocionantes,
como fazia Vandré, mas atendiam
a uma outra expectativa desse
público, ao debochar das tradições
e das caretices do sistema, com-
portamento aceito como “normal”
pelo próprio sistema numa fase da
vida dos jovens: a intolerância da
ditaduraera, basicamente, político-
ideológica, contra manifestações
reaisdeopiniãoou imaginadaspela
paranóiadosditadores.Malsabíamos
todos, na época, que “Osmutantes”
já eram uma resposta “demercado”
para o potencial de consumo repre-
sentado pelos jovens contestadores,
“conscientes” ou “alienados”. “Os
mutantes” foram perfeitamente
assimilados pelos democratas e pela
ditadura;pelaesquerdaepeladireita,
enfim, foi um extraordinário
case
de
marketing.
Todaessaevocaçãodopassadobusca
compreender o complexo convívio
das contradições,mesmoemépocas
que guardam a aparência de o País
ter estado sob uma única imposição
de influência político-cultural
implacável. A bem da verdade, há
que se reconhecer que noBrasil dos
anos 70 era tão complicado ser “de
esquerda” quanto não ser “de
esquerda”. E que a “esquerda”
aceitavamelhor a “direita” doque a
“independência” e o não-
alinhamento. Do mesmo modo, a
“direita” olhava para a “esquerda”
como um adversário respeitável e
tinha umnotável preconceito com a
“independência” e o não-
alinhamento. “Dom e Ravel” eram
doiscarasquecompunhammúsicas,
sobencomenda, paraosmilitares da
ditadura; eram autênticos
free-
lancers
da “direita”. Não há registro
de vaias num único
show
deles.
A “independência” incomoda por-
que pressupõe conforto, diante do
sacrifício exigido ao alinhamento.
Enquanto, à direita, impõe-se uma
sujeição vergonhosa, à esquerda,
obriga-se uma renúncia desumana.
O imperdoável emCaetanoVeloso
esteve em não respeitar o conceito
dequea liberdadedeexpressãonão
passa de uma questão de conve-
niênciaparaum ladoouparaoutro;
daí, aperseguição simultânea à sua
independência. Os sistemas exi-
gem adesão. Lembro de algumas
reuniões do CONAR de que par-
ticipei como membro de seu
Conselho de Ética. A leitura do
Código sempre me permitiu uma
interpretação burocrática ou uma
interpretação ideológica das
questões apresentadas. Na buro-
cracia, sempre refugiaram-se os
engajados; a interpretação ideo-
lógica cabe aos independentes.
Minhas posições obedeciam à
convergência das convicções
pessoais com o potencial filosófico
enunciadopelos artigos doCódigo;
eunão sei pensar de outro jeito em
nenhuma circunstância. É claro
que issome trouxe problemas com
meus pares doConselho de Ética e
eu não tiro a razão doCONAR em
questionar minhas posições. Não é
fácil, é um desafio extraordinário
tentar estabelecer critérios para a
liberdade de expressão. É um
momento em que nos sentimos
pequenos diante da História, se
tivermos a necessária humildade
paracompreendermoso significado
do que fazemos. Será sempremais
fácil – e por que não dizer ade-
quado (mesmo renunciando às
convicções pessoais) – fazer uma
interpretação pragmática dos fatos.
PreferiamascançõesvigorosasdeGeraldoVandré, por exemplo
verdadeiros chamados à luta contra aditadura.
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