Liberdade de expressão
corporativismo e independência
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REV I STA DA ESPM–
S E T EMB RO
/
OU T UBRO
D E
2005
AUTOR
STALIMIRVIEIRA
Publicitário, conferencista, autor de “Raciocínio
criativo na publicidade” (Edições Loyola) e
“Marca: o que o coração não sente os olhos
não vêem – Reflexões sobre marketing e
ética” (Edições Loyola e Editora PUC-Rio).
ou de serenidade para avaliações e
atitudes que reflitam algum sintoma
de espírito público ou, pelo menos,
certa manifestação de humanidade.
Expressam apenas, num primarismo
mais idiotadoquecínico, omedoda
perda de faturamento, da queda no
ranking edo sacrifíciodepoder. Será
que ninguém percebe que, quanto
mais a alegação para posturas tão
desastradas se utilize da defesa da
democracia e da liberdade de ex-
pressão, mais perdemos em credi-
bilidade e mais enfiamos pelo ralo
nossa reputação profissional?
É inacreditável que as mesmas pes-
soas que fazem discursos de
modernização,progresso, ingressono
primeiromundo, estejam, aomesmo
tempo, tão dissintonizadas com
regulamentações
que
são,
exatamente, sintomas do amadu-
recimento e da evolução de civili-
zações que já chegaram onde nós
estamos,desesperadamente, tentando
chegar hámuito tempo. Eque senão
chegamos ainda, isso se dá,
justamente, porque interesses
mesquinhos e egoístas insistem em
proteger seus currais, suas reservasde
mercado, seus negócios, imorais ou
não, num descompromisso com os
demaisecomo futuro sócomparável
com as referências mais repulsivas
que, volta e meia, o Cáucaso ou a
África doNorte nos fazem conhecer.
É profundamente lamentável tanta
demonstraçãodeatraso, fantasiadade
modernidade. É de morrer de
vergonha testemunhar cidadãos que
têm filhos,sobrinhos,algunsaténetos,
firmarem com tamanho fervor
posiçõestãoirracionais,comosedelas
dependesse a sua vida e a dos seus,
sem se dar conta de que estã
o
defendendo uma condescendência
irresponsável.
Afinal, com relação à difusão de
mensagensqueenalteçame induzam
ao fumoeaoálcool, ter umaposição
minimamente comprometida com a
saúde e a segurança públicas já não
é uma questãopassível de discussão:
trata-se do engajamento com uma
atitudemundial de auto-preservação.
Provavelmente, algumas tribos ainda
não alcancem o nível de sabedoria
necessário para compreender essa
necessidade. Será com essas que nos
vamosalinhar?Queremosseroúltimo
reduto de uma resistência esdrúxula
e suicida?
É interessantíssimo observar que a
própria mídia, teoricamente, a gran-
de favorecida com os investimentos
em propaganda, denuncia todos os
dias osmalefícios queo cigarro faz à
saúde, deixando os publicitários,
praticamente, falando sozinhos.
Quem sabe, namelhordashipóteses,
na companhia de duas ou três
tabageiras quecontrolamomercado,
comprodutos distribuídos em três ou
quatro agências. Ou seja: já não se
trata mais nem de uma atitude em
defesa do negócio mas de uma
teimosia típica de reacionários de
mentalidade medieval. Acho que a
publicidadebrasileiranãomerece isso
(...) nãomerece ser retaguardadeum
país
que
ainda
sustente
argumentações tão rudimentares
como‘sepodefabricar,podeanunciar’,
sugerindo uma lógica só comparável
com a do ladrão que acha que pode
levar o carro só porque o dono
esqueceu de trancar (...).”
Somenteem2004oCONAR tomaria
a iniciativa de estabelecer normas
rígidasquebaniriamo fumodamídia.
Oquedemonstraquea “opinião”da
comunidade publicitária esteve,
durante pelo menos dois anos,
covardemente desalinhada da
avassaladoraondadebom-sensoque
emergiade todososcantosdomundo
civilizado.Ea tendência internacional
fosse avaliada apenas como “outra
opinião”,delicada,porenvolverocer-
ceamentoda liberdadede expressão.
Aferradoaprincípios regulamentares,
o CONAR foi simplório e agiu com
imperdoável atraso, isentando-se, em
boaocasião, deassumir umaopinião
independente das conveniências de
mercado. Os anos futuros vão dizer
se a experiência vivida fez ama-
durecernovosconceitosqueajudarão
a cumprir umprocesso evolutivonas
avaliações, quecontemple, inclusive,
a necessária urgência em decisões
fundamentais.
O valor crescente da auto-regu-
lamentação se dá na proporção em
que ela se afastado corporativismo e
aproxima-se de uma impossível
independência e assume seu des-
compromisso com a liberdade de
expressão, como princípio.