João
UbaldoRibeiro
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S E T EMB RO
/
OU T UBRO
DE
2005 –REV I STA DA ESPM
extraordinárioeumprosadordamais
nobreestirpe.
JR
–Voltandoaotemadaliberdadede
expressão, umparticipante da nossa
mesa-redonda fez a seguinte
observação:“Achoqueascoisasestão
melhorando porque, na política,
sempre houve essa bandalheira e
roubalheira toda.Sóqueantesnãose
sabia”.Naditadura,porexemplo,não
sepodiapublicarnada.Eagoracoma
liberdade,ademocracia funcionado,
quem sabe, as coisas vão melhorar
mesmo.
JOÃO
–Porum lado,concordomas,
por outro, discordo. Também nos
períodoschamadosdemocráticos,que
atravessamos, depois da queda do
Getúlio, comoduranteogovernodo
Juscelino, havia muita roubalheira.
Houveafamosafrase“roubamasfaz”,
que teria sidocunhadaporAdhemar
de Barros. Havia marchinha de
carnaval, falando em política e
funcionáriopúblicocorrupto–Maria
Candelária.Hoje,nãosóasociedade
brasileira tornou-semaiscomplexa–
amassapobre jáestáemguerracivil
há algum tempo – vivemos nomeio
disso e não notamos, como peixe
dentro d´água. E, aomesmo tempo,
temos meios de comunicação
avassaladores,apontodevocê sentir
vontadede tapar todas as televisões,
rádio e não querer saber de nada. É
ummassacre permanente. Mal se
recupera do esquartejamento de
rapazesporumtaradoamericano,que
brincavadepalhaçocomascrianças
e, depois, encontram 37 cadáveres
enterrados noquintal. Acabamos de
ver aquilo e, em seguida, somos
informadossobreachacinadenãosei
quantaspessoasnaPavão-Pavãozinho;
e quando acabamos de saber da
chacina, ouvimosqueexplodiuuma
bombanão sei onde. Éummassacre
total, que acaba insensibilizando o
indivíduo. O assunto CPI já está
cansando,a notíciaviroumercadoria.
JR
– A informação acaba sendo
consumidaemvezdeserassimilada.
JOÃO
– Deixe-me contar-lhe uma
interessantenotadepé-de-página,na
históriadoBrasil,porqueenvolveum
grandepersonagemque foiGlauber
Rocha. Glauber começou no jornal
comigono tempoemque jornal era
como quartel dos Fuzileiros Navais,
emque o “recruta”, no casoo foca,
tinhadeentraremregimede trabalho
semdiscussão.Tinhadeaprenderno
tapa.Repórtererao recrutaeochefe
dereportagem,osargento.Nãoexistia
editor, nessa época. OGlauber era
encarregado da página de polícia e
costumava telefonar para o Instituto
Nina Rodrigues – que é o instituto
médico legaldaBahia,edizia:“Alô.É
doNina?Quantaspessoasmorreram
hojeaí?”Respondiam: “Ninguém”. E
ele:“Issoéumaesculhambação.Não
vaimorrerninguémnessacidade?Não
há um assassinato!” Agora, isso é
banalizado–aconteceatodominuto.
JR
–Você falabemvários idiomas...
JOÃO
–Falobem inglês.
JR
–Justamente,ésobreisso:vocêsabe
que sópodeusarbem Internet quem
fala inglês. Como você vê a questão
da liberdade de expressão se, de
repente, só terá acesso ao primeiro
mundodascomunicaçõesquemfalar
inglês?
JOÃO
– Por enquanto, provavel-
mente.O inglêsdeixaráasuamarca,
inevitavelmente. Mas, mais cedo ou
mais tarde, o espanhol se tornará a
línguadominantenosEstadosUnidos.
Hoje já são dezenas de milhões,
muitosdificilmenteaculturados.Nós
somos o único país multirracial do
mundo;aquinãosepodedizer“qual
é o bairro negro do Rio ou de São
Paulo”.NoBrasil,quemdistingue um
negro só de ouvi-lo no rádio? Nos
Estados Unidos existe o “black
English”.Achoque oinglêsvaisumir,
fazer uma previsão é difícil. Esse
negócio de estatística... Deixe-me
contarumcaso.Quandofizmestrado,
nos EUA, era amigodedois baianos
quemoravam lá. Eu iamuito à casa
deles. Havia um rapaz, chamado
Bishop,quetambémfreqüentavaesses
amigos. Se enturmou, era bem
recebido,apesardenegro–algodifícil
deacontecernosEstadosUnidos–,e
eraveteranodaguerradaCoréia.Ele
fez uma estatística – cujos números
estouchutandocompletamente–mas
eraassim: os americanos ficavamna
linhadefrenteotempoqueoschineses
queriam. Passavam um, dois, três,
quatro, cincodias enada acontecia.
Daíapouco,ouviamblá,blá,blá,elá
vinhachinês.Aconversaquecorria,
entreossoldados,eraadequenascem
100 mil chineses por dia. Então,
nascem100milnodia1ºde janeiro;
esses100milerammandadosparaa
guerra. Conseguiammatar todos os
100mil.Nodia seguinte,mandavam
os100milque tinhamnascidonodia
2, eassimpordiante. Issovirouneu-
rose.Agora,estãosendoassoberbados
pelaculturahispânica. Jáhá focosde
reação da extrema direita aos mais
equilibrados. Só que, agora, há até
filmessobreoqueaconteceriacoma
sociedade americana seos hispanos
fossem embora de repente – se
ficassem semmexicanos. Os lares