Maio_2005 - page 50

ClóvisdeBarrosFilho
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S E T EMB RO
/
OU T UBRO
DE
2005 –REV I STA DA ESPM
da legítima defesa. Assim, face a
uma agressão injusta, pode o
agredido reagir. Imediatamente e
commeiosproporcionaisàagressão,
garantidos pela legislação de im-
prensa.Noentanto,mesmoquando
isso acontece, o desmentido publi-
cado se mostra relativamente
ineficaz face aos efeitos já produ-
zidos pela agressão. Ineficácia
decorrente de várias causas.
Emprimeiro lugar,nadagaranteque
leitores, ouvintes e telespectadores
da agressão tenham algum contato
com o desmentido. Ou ainda, uma
audiência rotativa e infiel perplexa
anteuma resposta indignada auma
agressão cujo teor ignoram. Em
ambos os casos, remanesce a
suspeita.
Em segundo lugar, toda notícia se
inscreve,commaioroumenor inten-
sidade, na agenda pública de seu
universodeconsumidores.
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Ascon-
versas que dela decorrem ganham
relativa independência em relação
aseusconteúdos.Nada impedeque
agentessociaisnãoexpostosàmídia
veiculadora da informação
discutam, até freneticamente, sobre
ela. Para que o desmentido fosse
eficaz, seria necessário que
percorresse o mesmo circuito de
relações inter-pessoais de que foi
objetoaagressão.Hipóteseabsurda.
Nesse sentido, a pesquisa de Jean-
Noel Kapferer
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sobre rumores, ou
boatos, é esclarecedora. A capa de
uma importante revista de varie-
dades sentenciou: Isabelle Adjani,
atriz argelina de grande prestígio
internacional, está com AIDS.
Kapferer, intuindo um desmentido,
investigouoagendamentodo tema,
proposto pela revista, entre a so-
ciedade francesa, bem como a
crença nesta versão. Dias depois,
com efeito, a atriz, servindo-se do
instituto jurídicodo
droitde réponse
,
apresentava o desmentido. “Para
que a verdade possa ser restabe-
lecida para o meu público”.
Pesquisaanálogabuscou identificar
os efeitos desse desmentido. Os
resultados frustram a pretensão
normativacompartilhadapelaatriz:
o número de franceses que, antes
do desmentido, estando a par da
notícia, acreditava na sua vera-
cidade era de 28%. Após a enfática
manifestação em sentido contrário,
esse número cresceu para 50%.
Efeito perverso. Contrário ao fim
pretendido.
Um terceiro obstáculo é a natureza
repetitivadodesmentido.O resgate
de um tema já datado, ainda que
em nova versão, não é um bem de
grande valor no mercado infor-
mativo. Por issoos veículos relutam
tantoemconcedê-lo.Enquantouma
agressão qualquer converte-se em
“fato jornalístico” por marcar rup-
tura, surpreender, tiraros fatosdeum
fluxo previsível, o desmentido
devolveasensaçãodenormalidade,
incompatível com qualquer critério
de noticiabilidade.
Assim, diante de um fato inusitado
exibido pelos meios de comuni-
cação, o leitor ou ouvinte investe
tempo e atenção. Esse fato pode
converter-se em temadediscussão.
O enunciador da novidade será
ouvido com interesse, destacando-
se. O desmentido aborta a
consagração. Desacredita o porta-
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