julho/agostode2013|
RevistadaESPM
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área de pessoal. Na área de pessoal,
pense muito bem antes de tomar
decisões, porque as repercussões são
enormes”. Do ponto de vista intelec-
tual, estava bem equipado para as po-
sições que ocupei. O grande problema
é lidar coma burocracia pública ou in-
ternacional — que não é um bicho me-
nos cabeludo, sendo um pesquisador
intelectual. Aí é que estão os desafios.
Alexandre
—O que acontece?
Claudio
— Quando entra numa reu-
nião, você sabe muito mais do que os
seus interlocutores, temumtremendo
sentimento de superioridade em re-
lação ao seu domínio do tema e a cer-
teza absoluta de que o burocrata que
está ali vai te engolir no fim daquele
encontro. Porque ele domina a máqui-
na. A fragilidade diante do domínio
desse segundo escalão talvez tenha
sido o quemaisme chamou a atenção.
Francisco
— Há outro tema que eu
gostaria de levantar. É o que as empresas
estão fazendo hoje, sobretudo quando
se trata de trainees. Nas empresas de
vanguarda, como a Bosch, os trainees
dividem seu tempo entre a prática, que é
o trabalho lá dentro, e a teoria dos cursos
preparados especialmente para eles. E
dentro do ciclo de um trainee, ele passa
um tempo fora, vai morar em algum
lugar domundo. Qual é a sua opinião so-
bre essa simbiose entre trabalho e teoria?
Claudio
— Vamos pegar um homem
do mundo das ideias: Kant. Parece
que ele nunca saiu de sua cidade [
a
vila prussiana de Königsberg da virada
do século 18 para o 19
]. Ele nunca es-
creveu sobre um assunto prático da
vida, mas fazia questão de almoçar
e jantar com os homens de negócio
do vilarejo. A teoria existe para ser
aplicada no mundo real. A ideia oci-
dental de ciência, que começa com
Francis Bacon, é que você formula
uma ideia, que pode ou não ser malu-
ca, mas que só sobrevive se você for
perguntar ao mundo real se ele está
de acordo com ela. Esse processo é
que completa a dualidade da ciên-
cia. Se você ficar só no pensar, está
fazendo meia ciência. É o que faz
muito cientista de terceira categoria.
Voltando a Kant. Ele pensava todas
aquelas coisas, mas ia conversar
com comerciantes de sua cidade, o
mundo real. No estágio da Bosch, é na
prática que você vai aprender a teoria.
Francisco
— As escolas deveriam ma-
nejar esta ferramenta.
Claudio
— Com certeza. O drama da
universidade federal é que os pro-
fessores são contratados em tempo
integral e dedicação exclusiva. Um
arquitetoque fez graduação,mestrado,
doutorado, e foi ser professor em tem-
po integral, vai se aposentar sem ter
jamais assinado oprojetode uma casa.
Porque não pode. Agora, na prática, ele
já assinou200mil projetos, porquenão
se cumpre a lei. O que salva a universi-
dade federal brasileira é que os profes-
sores de dedicação exclusiva não cum-
prem a lei. Seria uma catástrofe para o
ensino se cumprissem. Todo arquiteto
de federal está assinando projeto. Todo
engenheiro de federal é consultor. É la-
mentável que seja preciso descumprir
a lei para ter professoresque saibamdo
que estão falando.
Francisco
— Outra questão é a da
globalização. Será que as escolas estão
conscientes de que, assim como os alu-
nos, têmde se tornar cidadãs domundo?
Claudio
— Curiosamente, uma presi-
dente, pela qual não tenho admiração
tão extraordinária, deu uma virada na
educação brasileira, abrindo a porta
da internacionalização. Se ela não
fizer mais nada, só por isso devemos
agradecer. Acabou com aquele ranço
xenofóbico demaneira drástica.
Francisco
— Era um absurdo esse ranço
numpaís de descendentes de imigrantes.
Claudio
— Se examinarmos a pro-
posta de reforma da universidade
do (ex-ministro da Educação) Tarso
Genro, o único ponto em que ela
fala de internacionalização é para
proibir. Felizmente, travou no meio
do caminho, de tão boba que era.
Enquanto pa íses como Coreia ,
Malásia, Chile e México, para não
falar de China, Taiwan e Cinga-
pura, têm políticas deliberadas
de internacionalização, o Brasil
propunha uma lei que falava em
proibir. Nesse ponto, demos uma
bela melhorada.
Francisco
— Você sabe o que os profes-
sores estrangeiros representaram para a
USP no começo.
Claudio
— A USP é uma universidade
filha da Europa. Filha do melhor
scho-
larship
europeu.
O que salva a universidade federal brasileira
é que os professores de dedicação exclusiva
não cumprem a lei. Seria uma catástrofe
para o ensino se cumprissem