Revista ESPM - março/abril 2002 - page 38

Revista da ESPM – Março/Abril de 2002
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dilho que contém forte carga semânti-
ca porque é crítica velada ao univer-
so adulto, que não tem tomado con-
ta da natureza. Vale frisar que a
ressemantização de trocadilhos e
frases populares é de uso co-
mum da linguagem publicitá-
ria. Dessa forma, ele diz
subliminarmente que é desde
de pequenos que devemos to-
mar conta da natureza. Isso
evidencia um discurso ecoló-
gico, de proteção da Natureza,
de que é na infância que se deve
conviver e aprender a cuidar
dela. Só que a opção pelo mar
com golfinhos estilizados incluí aí
a questão da transformação do meio
ambiente doente em ambiente saudável,
através do elemento Boti. Se não hou-
vesse o problema da agressão ao meio
ambiente, provavelmente esses golfi-
nhos seriam reais. Esses golfinhos
chapados são o simulacro dos verdadei-
ros. Essa é uma construção que expõe
para a criança que se ela não cuidar da
natureza, os golfinhos provavelmente
serão extintos, sendo que golfinhos e
crianças são construídos no texto como
semelhantes. Aí temos o texto
explicativo final na página da direita que
segue a forma de volutas dos golfinhos,
lembrando o balão das histórias em qua-
drinhos, como se eles estivessem na su-
perfície do mar, e surgissem em ondas
(daí as volutas) e diz:
Boti é a linha de /produtos infantis
da Boticário que traz como/personagem
o Boti, um simpático boto da Amazô-
nia. É ele quem vai/ensinar as primeiras
noções de ecologia para seus filhos,
Esse período por subordinação é o
primeiro que aparece, após um texto
marcado de frases curtas e concisas. Ele
marca uma “mudança de direção” do
texto até então dedicado às crianças para
o discurso dedicado ao adulto – pai ou
mãe, enfim, o responsável pela educa-
ção das crianças.
O período é marcado por conectivos
e muitas vírgulas e em certo momento
aponta uma
manipulação por intimida-
ção
, evidenciando o uso do Imperativo
absoluto. Observemos a continuidade do
período em questão: através de textos
nas embalagens, do livro do Boti e de
um clubinho ecológico.A linha Boti tem
shampoo
, desembaraçante, sabonete, sa-
bonete líquido, uma colônia para meni-
na, uma colônia para menino e uma fi-
losofia: a de que estes novos cidadãos
podem ser grandes aliados na proteção
e preservação do meio ambiente. Dê Boti
para seu filho.
Ele vai aprender a cuidar da nature-
za até na hora de tomar banho.
Tomar banho aqui apresenta várias
acepções: medida de higiene que resulta
em um cuidado com a criança (trabalha
sua auto-estima) e resulta em um cuidado
com a natureza. Apesar de propor estabe-
lecer um hábito, esse hábito se abre em
uma
fratura
no dizer de Greimas, porque
instala o lúdico com o novo conceito de
cuidado com a natureza. Porque tomar
banho, no caso da criança, é também
brincar com a água. Sobre essa conso-
nância da criança com a água nos diz
novamente Bachelard (1998:136):
Dos quatro elementos, somente a
água pode embalar. É ela o elemento
embalador. Este é mais um traço de seu
caráter feminino: ela embala feito a mãe.
Se a água remete-nos a figura da mãe
que embala, podemos generalizar essa
mãe pessoal para uma mãe cósmica, pa-
pel realizado pela natureza na campa-
nha. Portanto a relação com a mãe en-
contra extensão na relação com a natu-
reza e o universo.
Está criado o programa de uso da
campanha, que é mais amplo do que o
do anúncio porque envolve o uso dos
produtos, um livro e a sociedade a um
clube ecológico. Aqui se percebem os
elementos que aparecem como opostos
e portanto competitivos: consumo gera
destruição e morte, preservação gera
vida e menos consumo, adquirem uma
relação complementar, de cooperação:
consumo de produtos biodegradáveis
gera a conscientização dos seres e por-
tanto preservam a natureza.
Após o texto verbal, temos a foto-
mente vivendo no banho um momento
atemporal e lúdico de sua vida cotidiana
e aprendendo a cuidar da natureza e a
pensar na proteção dos animais em
extinção na Amazônia.
E na frase seguinte encontramos a
ligação imediata que coloca o leitor na
condição de ainda não ter sua curiosida-
de satisfeita com a frase genérica:
“Nunca é cedo demais para amar a
natureza”. Até esse momento, as imagens
não desvendam totalmente o significado
do texto verbal. Na verdade, o texto vi-
sual constrói a curiosidade do leitor
(enunciatário) chamando-o para a leitu-
ra do texto verbal. Esse movimento de
vai-e-vem assemelha-se ao da natação,
o ir da superfície para o fundo e do fun-
do para a superfície da água, evidenci-
ando a possibilidade de sua extinção,
caso não cuidemos da natureza como ela
tem- nos pedido. Pudemos notar também
que os elementos visuais: crianças, mar,
raios de Sol e céu; a ação de nadar e o
respirar são pistas para a construção de
significação para a palavra “Natureza” ao
mesmo tempo em que causam
estranhamento com a inversão da frase
popular “Nunca é tarde para aprender”,
“Nunca é tarde para se divertir”. Ao in-
vés de tarde, o anunciante (enunciador)
opta por seu antônimo criando um troca-
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