Revista da ESPM – Março/Abril de 2002
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A
campanha do Boticário da
Talent Bis foi lançada por meio
de um anúncio na Revista
Veja
do dia 6 de outubro de 1999 e tem con-
tinuidade até hoje. Outubro é mês em
que se comemora o Dia da Criança,
quando se reforça a divulgação dos seus
10 direitos universais e quando muitas
atividades educativas e culturais
dedicadas a elas costumam ser veicula-
das pela mídia impressa. Ele se distri-
bui ao longo de seis páginas corridas da
revista, sendo as duas penúltimas uma
página dupla. Devido ao número de pá-
ginas e à estratégia narrativa de cunho
coloquial do texto verbal, cheio de en-
cadeamentos que ligam uma página a
outra, pudemos fazer uma analogia do
anúncio com o livro infantil, objeto
sincrético por excelência, por ser com-
posto de duas linguagens em diálogo:
a visual e a verbal, com a diferença de
que o livro infantil apresenta duas lin-
guagens de cunho estético que visam
a educação global do ser e o anúncio
impresso que sempre apresenta duas
linguagens em diálogo, cuja finalida-
de está em persuadir o leitor a com-
prar seu produto. Nota-se ainda, no
caso desse anúncio, a presença da lin-
guagem gestual, do virar as páginas
que cria o efeito de sentido do chapi-
nhar da água.
Em termos gerais, a narrativa do
texto escrito segue a estrutura do con-
to maravilhoso, de caráter heróico,
proposto por Wladimir Propp, que par-
te de um dano (o planeta está em peri-
go), passa por funções intermediárias
(desafio = “Você vai ter de ajudar” e
obstáculos = aprender a cuidar da na-
tureza, objeto mágico = Boti) e atinge
o desenlace (vitória = uso de produtos
biodegradáveis, fazer parte de um clu-
be ecológico da Boticário; e recom-
pensa = poder continuar nadando no
mar e brincando na hora do banho),
momento em que o “herói”, ou seja, a
criança consumidora, aprende a cuidar
da natureza que está em processo de
degradação através do objeto mágico
Boti, um golfinho.
paradoxo: se o planeta está em perigo
como a criança aparece sorrindo?Amar-
ca do rosto sorrindo nos diz que ela tem a
solução. Só que essa solução ainda é um
mistério. De qualquer forma, está criado
o enigma desafiador que nos leva a virar
a página seguinte.
Na segunda página, temos duas cri-
anças nadando de maiô: a da esquerda
com um maiô de florzinhas (outro ele-
mento da natureza estilizado) e a da di-
reita com um duas peças xadrez (ele-
mento do mar confeccionado pelo ho-
mem, uma estilização da rede de pes-
car). As duas têm o olhar fixo no leitor.
Seus rostos são tranqüilos, em plena con-
sonância com o elemento água. Elas
também estão rodeadas por três golfi-
nhos chapados: um laranja, um verde e
um branco, uma isotopia visual (uma
repetição) da primeira página, que cons-
trói o efeito de sentido de “continuida-
de” e “familiaridade” ou de construção
de um universo visual em que a criança
está em consonância com o elemento
água que não passa de manipulação por
sedução, de uma competência “querer
fazer”. Vemos que a cor do texto refor-
ça a cor do golfinho branco e do elemen-
to luz do Sol. Seus rostos e corpos estão
iluminados por uma luz natural que pa-
rece vir de fora d’água.
O texto verbal nos diz: “Ele disse
(o amigo Boti = elipse, o que determina
a relação de interdependência textual de
uma página com a outra) que só vai ter
mundo se a gente (as meninas) tomar
conta dele.” (manipulação por provoca-
ção, criando um “dever fazer” do leitor,
ou seja, “só vai ter mundo se vocês aju-
darem.” O texto é provocativo e chama
as crianças a participar). O pronome pos-
sessivo oblíquo “dele” é ambíguo, pois
pode estar-se referindo ao planeta e/ou
ao amigo Boti ou mesmo a ambos. Se
ela não tomar conta do mundo, ele aca-
ba. Portanto acaba a água do mar, acaba
o prazer de brincar e de estar em conso-
nância com a natureza.
Na terceira página da direita, temos
o close de um menino em três quartos
da página (inclusão do elemento mas-
Analisando o
anúncio
Na primeira página, temos uma cri-
ança sorrindo na água e de olhar fixo
no seu público-alvo. O enunciatário
criança interessa-se pela campanha
através do recurso da identificação. O
enunciatário pai interessa-se por
alteridade (aquele que educa o filho).
O rosto da criança está iluminado pela
luz translúcida que vem de fora e atinge
também os três golfinhos estilizados nas
cores: verde, laranja e rosa, que a rodei-
am. A presença dessa luz constrói a im-
pressão de que os golfinhos são
tridimensionais, assemelhando-os às cri-
anças. As várias tonalidades do azul cri-
am o efeito de sentido mar, água densa.
Observamos ainda nessa página a rela-
ção que se estabelece da criança com a
água e dos Botis chapados que a rodei-
am. Os raios solares que entram de fora
atingem a criança e os Botis envolven-
do-os em uma aura de luz, que parece
integrada com esse elemento da nature-
za.
O texto verbal nos diz:
“Um amigo meu disse que o planeta
está em perigo.” Aqui detectamos um