Revista da ESPM – Março/Abril de 2002
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ste trabalho tem como objetivo analisar anúncios que explorem a nudez femi-
nina, focalizando os efeitos de sentido construídos pelo tratamento plástico
dado à figura da mulher. Para tanto, são comparados dois anúncios, do choco-
late Dove (
fig. 1
) e do iogurte Molico (
fig. 2
), a partir da aplicação da metodologia da
semiótica discursiva.
OChocolateNu
A cor do chocolate derrama-se sobre
o anúncio de página dupla de Dove. Na
página da esquerda, uma mulher negra
segura um jarro de leite; na da direita,
uma barra emerge da massa de chocola-
te derretido. Essa monocromia em dife-
rentes tons de marrom é quebrada ape-
nas pela pequena composição
policromática da embalagem do produto
que, localizada no canto inferior direito,
faz as vezes de assinatura do anúncio.
As variações tonais na massa
monocromática guiam o olhar na leitura
do anúncio. Atraído pela luz, o
enunciatário encontra a jarra de leite e
dali parte em suave diagonal, repousan-
do nos olhos da mulher. Esse percurso
se repete na página da direita, em um
caminho de luz que leva da base ao topo
da barra de chocolate.
Nesse movimento de leitura, desco-
brem-se pontos de semelhança entre a fi-
gura da mulher e a barra de chocolate. A
luz lhes confere uma textura aveludada,
macia, que ressalta o volume dos dois
corpos. Ambos são marrons, alongados,
dispostos centralmente em relação a cada
página e vistos em três quartos.
Da cor do chocolate, o corpo da mu-
lher aparece praticamente desnudo. A
embalagem do produto, reconhecível
pela assinatura do anúncio, é sua única
vestimenta. Além dessa, uma série de
pulseiras prateadas e um par de brincos
de argola servem-lhe de adereços, e uma
jarra côncava de leite puro cobre-lhe o
seio.
Percorrendo o corpo da mulher, o
enunciatário encontra seus olhos. Nesse
olhar frontal da personagem, que se diri-
ge diretamente ao enunciatário, simula-
se uma comunicação intersubjetiva, em
um recurso enunciativo conhecido como
embreagem. Pela embreagem, o
enunciatário é trazido para o interior do
enunciado, tornando-se destinatário da
ação que se desenrola: a mulher, despin-
do-se de sua vestimenta, mostra-lhe a
gênese do chocolate, na pureza da pele
Fig. 1
Fig. 2
