Comunicação e autoritarismo:
A Voz do Brasil.
NÉLSON JAHR GARCIA
Mestre e Doutor em Ciências da Comunicação - ECA/USP
Diretor da ESPM
Voz do Brasil" é o noticiário radiofônico oficial,
produzido pela Radiobras e irradiado para todo o
Brasil, de 2- a 6-feira, entre 19 e 20 horas. Tem
caráter obrigatório já que, nesse período, nenhuma
emissora do país pode deixar de retransmiti-lo.
O p r og r ama foi criado em 1931, sob
orientação do DOP (Departamento Oficial de
Propaganda), instituído pelo governo de Getúlio
Vargas. Em 1939, com a c r i ação do DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda), o
programa foi r e f o rmu l a do e recebeu a
denominação "Hora do Brasil". Tinha por
conteúdo, principalmente: irradiação de discursos,
entrevistas a respeito de atos e iniciativas do
governo, descrição de regiões percorridas pela
comitiva presidencial, descrição de regiões e
cidades, notícias sobre livros surgidos no país,
audição de obras de grandes compositores do
passado e do presente, principalmente brasileiros,
noticiário internacional, boletins meteorológicos.
O noticiário tem sido criticado, desde a sua
origem, por opositores que argumentam contra
seu caráter autoritário ou apenas se restringem a
mencionar a "chatice" das transmissões, seja em
razão da sua forma, seja em função do conteúdo
pouco interessante. Recentemente o programa
passou a ser alvo de uma campanha sistemática,
através dos meios de comunicação, capitaneada
por uma emissora p a u l i s t a : Rádio Eldorado AM.
Alega-se, no geral, que o programa é uma herança
da era Vargas, antidemocrático, cerceia a liberdade
de o cidadão escolher o que deseja ouvir.
Argumentos mais específicos se reportam ao fato
de que paulistanos se encontravam presos em seus
carros, em dias de trânsito intenso provocado por
acidentes graves, inclusive enchentes, e não puderam
ser informados sobre as alternativas para evitar
ou escapar dos congestionamentos, já que seus
rádios estavam transmitindo as informações
obrigatórias fornecidas pela Radiobras. Acendeu-
se a polêmica. Homens públicos e cidadãos
comuns passaram a defender o programa, em
várias entrevistas, apoiando-se na importância
da divulgação de informações, especialmente
para as regiões interioranas mais distantes que,
de outra forma, não teriam como conhecê-las.
É possível formular algumas hipóteses
sobre o que deverá acontecer. O programa poderá
ser extinto ou, no mínimo, perder seu caráter
obrigatório, caso a mobilização em curso adquira
for ça suficiente para induzir o governo a
promover tal mudança. Outra possibilidade é a
da manu t enção do progr ama por pressões
políticas, e s pe c i a lmen te as exe r c i das por
congressistas, que não têm outro canal para se
promover junto aos eleitores. Não é demais
lembrar que a extinção da obrigatoriedade pode
fortalecer os grupos que reivindicam o fim do
horário político obrigatório, com prejuízo ainda
maior para os mencionados parlamentares.
Os fatos levam a meditar sobre aspectos
que dizem respeito às relações entre democracia
e comunicação: direito do cidadão a ter livre
acesso às informações, direito a optar pelo que
deseja ou não assistir e ouvir, prerrogativa de
formar livremente suas opiniões e convicções,
possibilidade de livre manifestação. A discussão
dessas questões exigem algumas considerações
sobre a estrutura e organização da sociedade, os
conflitos de interesses que nela se desenvolvem
e o papel da comunicação de massa nesse
contexto.