Sociedade e confronto de interesses
Uma sociedade historicamente determinada,
o Brasil republicano por exemplo, pode ser
encarada como um conjunto de relações que se
realiza e se desenvolve no tempo e no espaço. Há
relações econômicas, através das quais os membros
da sociedade produzem, realizam e distribuem os
bens e serviços necessários à sua sobrevivência e
bem-estar. Através das relações políticas, tomam-
se decisões compulsórias a respeito da organização
e funcionamento do conjunto social. As relações
ideológicas, finalmente, promovem a formulação
e distribuição de conhecimento. A expressão
conhecimento é empregada, aqui, em seu sentido
mais amplo, envolvendo desde a mais complexa
fórmula científica até o simples comentário
esportivo, passando pelas ciências, artes, religiões,
filosofia, superstições. A distinção é puramente
analítica. Qualquer atividade econômica é, também
e necessariamente, política e ideológica, embora
algum desses aspectos possa ser predominante em
determinado momento histórico.
Os indivíduos e grupos, na sociedade, não
participam da mesma forma daquilo que se produz
e se distribui. Tomando-se apenas as situações mais
extremas, há os que enriquecem com a produção
econômica e os que mal conseguem sobreviver;
politicamente, enquanto alguns conseguem
transformar suas próprias decisões em leis, outros
se limitam a obedecer às normas que lhes são
impostas; finalmente, há os que elaboram
conhecimento e os que sequer têm acesso às
informações disponíveis e, quando têm, não
ultrapassam a condição de meros receptores.
As d i f e r en t es formas de participação
determinam o surgimento de interesses igualmente
distintos. Levantam-se os que anseiam por salários
mais elevados, opõem-se os que não querem pagá-
los. Mobilizam-se os que acreditam ser possível
partilhar da tomada de decisões políticas, investem
outros em bloquear-lhes o acesso. Uns lutam para
que seus filhos tenham condições de freqüentar
escolas, outros impedem a conquista ou aniquilam
a qualidade do ensino a ponto de torná-lo inócuo.
Tendem a formar-se, assim, segmentos sociais.
Dependendo do critério de análise esses segmentos
podem receber diferentes denominações: classes,
camadas, categorias. Neste texto empregaremos
expressões genéricas: segmentos, setores ou grupos.
Nos limites desta discussão, onde o que importa é
constatar a existência de grupos que exercem
controle de poder, não é necessário empregar
expressões e conceitos mais precisos.
A dominação
Condições históricas determinam que certos
setores de uma sociedade adquiram um papel
econômico de tal forma predominante que lhes é
possível impor a realização de seus interesses aos
demais. Quando a economia brasileira girava em
torno da produção cafeeira, o poder econômico
concentrou-se nas mãos dos latifundiários paulistas.
Estes latifundiários, diretamente ou através de
políticos de sua confiança, impunham que as
decisões políticas também fossem tomadas em
função da realização de seus interesses. A
educação, as artes, a imprensa, tudo se destinava a
satisfazer aqueles que exerciam a dominação. Com
a industrialização, gradativamente, o poder
econômico foi sendo partilhado por novos setores
que também passaram a exercer o controle das
decisões políticas, culturais e ideológicas.
Os grupos econômica e politicamente
dominantes, em uma sociedade, estendem a sua
dominação para os meios de comunicação de
massa. Qualquer informação só pode ser veiculada
se a sua difusão não prejudicar ou ameaçar os
interesses daquele setor. Se determinada notícia é
tão importante que não possa deixar de ser
divulgada ela o será, mas com uma interpretação e
tratamento que não contrariem as ambições dos
privilegiados. O fato de que o rádio e a televisão,
no Brasil, desde o seu início, tenham ficado sob
controle do Estado, que permitia ou não a sua
exploração através de concessões, não altera em
nada a afirmação acima. O Estado não é uma
entidade neutra e autônoma, embora existam os que
insistem em percebê-lo como tal. O Estado é a
expressão da sociedade em determinado momento
e reflete as suas contradições, seus conflitos, as
formas de dominação existentes. Aliás, quase
sempre, o Estado nada mais é que o instrumento
de dominação de alguns segmentos sociais. O
Presidente José Sarney, através do Ministro das
Comunicações, Antonio Carlos Magalhães,
autorizou a concessão de mais de mil emissoras.