Gerência
intercultural
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R e v i s t a d a E S P M –
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tedo“eu”americano.Pressupõe-se,
quase sempre, que aquilo que na
verdade são traços e dimensões
específicas da cultura norte-ameri-
cana (tais como “pró-atividade”,
igualdade e aversão a hierarquias
rígidas, relações impessoais, mas
amigáveis nos negócios, pontuali-
dade e eficiência no cumprimento
de prazos etc.) não se apresentam
damesma formaem todas as outras
sociedades e nem são, para mui-
tas, os elementos mais enfatizados
no cotidiano organizacional e de
negócios.Assim, implicitamenteno
modelo norte-americano, aqueles
que não procedem da mesma ma-
neirasãoconsiderados“deficientes”
de alguma forma, pois não seguem
os padrões de comportamento que
o “eu” americano naturaliza como
sendo universal.
Por este motivo, em todos os sites
pesquisados,o treinamento intercul-
tural semprese iniciapelaafirmação
da diferença e da igualdade do
outro: “ensina-se” aos executivos,
primeiro, queo “outro” édiferente;
numsegundomomento, “ensina-se”
que,mesmosendodiferente,ooutro
não é necessariamente “falho” ou
“ruim; e em um terceiromomento,
“ensina-se”a tolerânciacom relação
aooutro,epede-seumcertograude
“paciência”com taisdiferenças.Um
exemplo que ilustra este modelo é
a insistência, em todos os sites, em
explicar aos executivos que deter-
minadas culturas têm outra relação
com o tempo, nem todas têm a
mesma preocupação com rapidez
e eficiência, e nem presumem que
o bom negócio é aquele feito de
modo rápido e “eficaz”. Por exem-
plo, ao tratardeculturascomoasda
AméricadoSulouascaribenhas,há
sempreapreocupação, emum tom
condescendente, em explicitar que
os executivos americanos devem
ter em mente que “não é porque
eles demoram tanto para realizar
suas tarefas que são preguiçosos”.
Na verdade, tais culturas têm uma
relação diferente com o tempo, e
é por isso que trabalham de modo
mais “devagar” do que os america-
nos. Istonãoquer dizer (e note que
é sempre necessário explicitar a
diferença como algo não negativo)
que sejam piores. Afinal, estando
todos trabalhando dentro de um
mesmoobjetivo, todos têmomesmo
interesse em cumprir as tarefas – o
quedifereéanoçãode“eficiência”
e de “prazo”.
Ainda em termos do que isto im-
plica para o aprendizado intercul-
tural, o modelo norte-americano
enfoca a dimensão instrumental do
aprendizado, ou seja, a aquisição
de códigos e “receitas” que podem
seraplicadosemqualquercontexto,
desde que:
a)
o executivo perceba que seus
pressupostos não são comparti-
lhados pelo outro, e que, portanto,
b)
é necessário saber quais são os
pressupostos do outro para que se
estabeleçaacomunicação intercul-
tural.Oobjetivoaqui éevitar quea
comunicação intercutural não seja
prejudicadapelospreconceitosque
se supõe todososnorte-americanos
teriam ao considerar sua cultura
comoomodelocontraoqual todas
as demais devem ser medidas. As-
sim, neste modelo de treinamento
intercultural, a cultura é um con-
junto de características superficiais
(gestos, posturas, etiqueta, relação
com os horários etc.) que podem
ser “aprendidas” pormeio de guias
passo a passo, e que devem ser in-
corporadas por aqueles envolvidos
na tarefa de gerenciar culturas dif-
erentes. Neste contexto, tanto a in-
terculturalidadecomoo treinamento
intercultural sãopoucomaisdoque
aaplicaçãocorretadestas receitase
a transmissãodedeterminados“ins-
trumentos culturais” que permitem
ao“eu”atuarna sociedadeecultura
do “outro”.
Finalmente, em termos da racio-
nalização de por que é necessário
adquirir tal treinamento, justifica-se
que, sabendo atuar na cultura do
“outro”, o executivo trará retorno
para a empresa, pois a importância
dacomunicação intercultural reside
no fato de agregar valor ao negó-
cio, pois supõe-se que os negócios
interculturais sempre sãomaisbem-
sucedidos quando se dominam tais
códigos e instrumentos.
Ao comparar o “modelo” norte-
americano com modelos de trei-
namento intercultural europeus,
constatam-se diferenças funda-
mentais entre eles, principalmente
o oferecido na Alemanha. Neste
último,oque justificaanecessidade
da competência intercultural é o
reconhecimento da necessidade,
na sociedade contemporânea, de
sevalorizar adiferençaeovalor in-
trínsecodaquelequeédiferente. Em
vez de um conjuntode “receitas” e
“passos”quedevem ser aprendidos
peloexecutivoparabemsesituarem
relaçãoaooutro , oque sepercebe
é a valorização da diferença como
umdireitomoralde todoequalquer
indivíduooupovo. Emvezdopres-
suposto implícito de que a cultura
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