maio/junhode2013|
RevistadaESPM
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Alexandre –
Mudou a percepção do
investidor estrangeiro em relação ao
Brasil?
Ming –
As políticas de conteúdo local
e reserva de mercado começam a per-
der sentido. Se vai todo mundo para
os Estados Unidos [
atrás do gás de xis-
to
], vai se exportar de lá para onde for.
Alexandre –
O Brasil parece que per-
deu o bonde dos acordos bilaterais de
comércio. O país ficou apegado a um
Mercosul disfuncional, para dizer o
mínimo, e, ao contrário do México, do
Chile e do Peru, que costuraramdiversos
acordos, não entrou nessa onda.
Ming –
Você tem toda razão. Es-
tamos num sistema multilateral,
bloqueados pela Argentina, que tem
problemas e continuará assim pelos
próximos 10, 15 ou 20 anos.
Alexandre –
O Mercosul tem futuro?
Ming –
Do jeito que está, não. Ele
deixou de ser uma instituição vol-
tada para a integração comercial e
econômica e passou a ser, digamos,
uma espécie de clube político.
Alexandre –
Daí trazer a Venezuela?
Ming –
Vão querer trazer o Equador,
quenão temnada a ver comessa alian-
ça, e simcomuma aliança do Pacífico,
com a Colômbia, o Peru e o Chile. E
não adianta querer juntar as alianças
do Atlântico e do Pacífico. A tarifa
média doChile é de 6%. Por que oChile
vai aumentar suas tarifas aduaneiras
para igualá-las à tarifa média do Bra-
sil, que está entre 15% e 16%?
Alexandre –
O outro foco da política
exterior brasileira é o grupo dos Brics.
Faz sentido pensar em Brasil, Rússia,
China, Índia e África do Sul como um
bloco econômico?
Ming –
Por enquanto, não. Oque pode
provocar uma maior integração é esse
fenômeno do
shale gas
. A Rússia está
perdida, porque não tem condições de
concorrer com os americanos, a me-
nos que adote a mesma tecnologia. As
jazidas de xisto russas são enormes.
Só que elas são todas de propriedade
do Estado, como aqui no Brasil. Não é
a mesma dinâmica dos Estados Uni-
dos, onde a jazida é do proprietário da
terra. As coisas não acontecem com
a mesma rapidez. Também a China
vai perder investimentos e boa parte
do apelo que tem hoje. Não só porque
a mão de obra ficou mais cara, mas
por ser dependente do fornecimento
estrangeiro de matérias-primas e de
energia. Como vai competir com os
americanos sem energia? O Brasil
vai sentir o impacto [
do gás de xisto
].
É provável que isso crie um novo me-
canismo de solidariedade ou, melhor
dizendo, uma união de interesses.
Alexandre –
A exploração do gás de
xisto terá, portanto, repercussões geo-
políticas também.
Ming –
Eu insisto. Essa mudança,
que ainda não foi percebida no Brasil,
é de uma importância absolutamen-
te transcendental. Vai mudar tudo.
Acabou a dependência energética
dos Estados Unidos. Dentro de mais
dez anos, eles vão ser absolutamente
autossuficientes em gás e petróleo.
Vão dispensar Venezuela e Arábia
Saudita. Veja, do ponto de vista es-
tratégico, o que isso significa. Quem
está pensando nisso está absoluta-
mente preocupado.
Alexandre –
Não só pelo gás de xisto,
mas também pelo dinamismo da econo-
mia americana e por acertos na política
econômica, tudo indica que os Estados
Unidos vão sair da crise mais rápido que
o resto do mundo, não?
Ming –
Muitomais rápido e por cima
outra vez. É preciso botar esse tema
na agenda dos
think tanks
aqui do
Brasil. Não como algo lateral, mas
como uma coisa central.
Alexandre –
No Brasil parece predo-
minar uma leitura diferente do pós-crise,
segundo a qual o modelo capitalista
anglo-saxão faliu em 2007 e 2008, e o
momento agora é de encontrar uma al-
ternativa para pôr no lugar. Um modelo
mais intervencionista, inspirado no capi-
talismo de Estado chinês. É nessa direção
que estamos caminhando como país?
Ming –
Essa política centralizadora,
intervencionista, digamos desenvol-
vimentista, é que faliu. Ela tem dois
grandes fracassos: não consegue apre-
sentar crescimento econômico, nem
controlar a inflação. Por enquanto,
você vê os formuladores e os executo-
Ocusto do gás americano será apenas uma
fração do custo dos combustíveis fósseis no resto
domundo. Isso provocará uma brutal revoada
dos investimentos de volta para os Estados Unidos