entrevista | Celso Ming
Revista da ESPM
|maio/junhode 2013
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Alexandre –
Você identifica mudan-
ças relevantes na economia mundial
desde a crise de 2008?
Ming –
Há um aspecto novo, sim.
A indústria está ameaçada de ser
dizimada no Brasil. E não é por causa
dos fatores que estão aí há tempos, de
que todo mundo fala. Da desindus-
trialização, do maior dinamismo dos
serviços, da baixa competitividade do
país. Temuma coisamuito pior por vir
agora, que é o shale gas [
gás de xisto
].
Os Estados Unidos deramumenorme
pulo do gato nos últimos três anos. O
custo do gás americano vai ser uma
pequena fração do custo dos combus-
tíveis fósseis no resto do mundo. Isso
vai provocar uma brutal revoada dos
investimentos de volta para os Esta-
dos Unidos.
Alexandre –
Investimentos para o
setor energético?
Ming –
Não é só energia. É petroquí-
mica, química básica, metalurgia,
especialmente de não ferrosos. É a in-
dústria de fertilizantes. Todas as áre-
as que precisamde fornos, caldeiras.
Alexandre –
O que isso significa para
a economia?
Ming –
É uma revolução. Isso não
só vai atrair indústrias do mundo
todo para os Estados Unidos, como
vai bloquear os investimentos para
cá. Hoje, nenhum empresário que
tomou conhecimento desse fenôme-
no vai investir nessas condições. Os
investimentos vão parar. A petroquí-
mica vai parar. A química básica vai
parar. Não existe viabilidade.
Alexandre –
O que dá para fazer?
Ming –
Dá para usar tecnologia de
cracking do xisto no Brasil. Temos
imensas jazidas. O que falta é a
decisão. Não sei até que ponto este
governo está disposto a enveredar
para essa área.
Alexandre –
O foco está todo no pré-sal.
Ming –
O gás do pré-sal está inviabi-
lizado. Nos Estados Unidos, você não
precisa nem de gasoduto de grande
extensão. A fábrica já está em cima
da mina, em lugares como Delaware.
É só pôr um canudinho. Não tem
essas coisas de extrair do mar, a 300
quilômetros da costa. Então, a condi-
ção para os investimentos no Brasil
vai mudar dramaticamente.
Alexandre –
Só para esses setores di-
retamente ligados ao petróleo ou para
toda a indústria?
Ming –
Se na química e na petroquí-
mica já começa a ser assim, tudo o
que vem a partir daí — plásticos, em-
balagens etc. — será afetado. Muda
tudo. Todos os derivados. Autopeças?
Hoje, um automóvel é mais de plás-
tico que de metal. De repente, a in-
dústria de autopeças vai toda para os
Estados Unidos. É um negócio grave.
Não há consciência do que está acon-
tecendo. Pouca gente está pensando
nisso. Já conversei com a Graça Fos-
ter, presidente da Petrobras, sobre
isso. Ela diz que esse gás é absolu-
tamente imbatível e muda tudo em
termos de competitividade. Só que o
Ministério do Desenvolvimento e o
Ministério da Fazenda estão fazendo
uma política industrial maluca e não
estão pensando nisso. O BNDES, que
faz política industrial, não está nem
aí. A Agência Nacional do Petróleo
começou a arranhar esse tema.
Alexandre –
Os investimentos no Bra-
sil já vêmminguando. Em pouco tempo,
o país mudou de estrela dos mercados
emergentes para o segundo ou terceiro
plano em investimentos, mesmo na
América Latina. O que há por trás dessa
mudança de perspectiva?
Ming –
Em primeiro lugar, há in-
certeza. Os fatores de incerteza são
grandes. Esse ativismo do governo
Dilma pode passar a impressão de
que o Estado está funcionando e é
dinâmico. Mas muda toda a regra
do jogo. A indústria automobilísti-
ca é o xodó do governo. Não existe
nenhum setor no Brasil que tenha
o poder de
lobby
e convencimento
da indústria automobilística. Até
porque tem toda a máquina dos
sindicatos por trás. O resto ficou
para as traças. Os outros setores não
conseguem [
os mesmos benefícios
].
Como fica a indústria têxtil? Como
fica a indústria de alimentos? Como
ficam os demais setores? Como
você vai tomar uma decisão de reali-
zar um investimento, que às vezes é
por 20 anos?
A indústria no Brasil está ameaçada de ser
dizimada. Não por causa dos fatores que estão
aí há tempos... Temuma coisa muito pior
por vir agora, que é o shale gas [
gás de xisto
]