Julho_2003 - page 31

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R E V I S T A D A E S P M –
J U L H O
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A G O S T O
D E
2 0 0 3
HermanoRoberto Thiry-Cherques
zx
“A tolerância
deve ser
transitória,deve
conduzir ao
respeito e nada
mais, porque, em
última instância,
tolerar é
ofender.”
recimentoedadiscussão.Aceitarque
o outro possa estar certo não sig-
nifica aceitar o erro, a mentira
como verdade. Significa analisar,
discutir, reagir à suaconduta, não
transigir (Smith, 1997).
Não existe falta moral tolerável.
Ou a falta não existe, ou ela é
inadmissível, ou ela deve ser en-
tendida como um evento externo
a nossa sociedade, o que equiva-
le a excluir o faltosodo convívio,
a considerá-lo não igual, o que é
a mais dura das intransigências.
A tolerância só é uma virtude na
medidaemque referidaàaparên-
cia e ao costume dooutro, à con-
dutanão referidaàmoral, às con-
vicções, às crenças.
No campo específico que nos in-
teressa, o do limite da tolerância
nas relações intra-organiza-
cionais, o trabalhador que
transgride a ética ou a organiza-
çãoque atua forados seus limites
oubem sãocúmplicesoubem são
intoleráveis umparaooutro.Não
há terceira opção. A condescen-
dência é uma figura da política, a
indulgência da religião, a atenu-
ante dodireito.A ética nãoopera
com figuras desse tipo. Opera a
partir da razão que elimina o ne-
buloso, o duvidoso, o transitório,
ou é outra coisa que não a disci-
plina fundada pelos gregos há
vinte e cinco séculos.
Adignidadeéabalizada tolerância
moral.Aconduta indignadoempre-
gadooudaorganizaçãonãopodem
ser tolerados. É omedo, a fraqueza
moral, que informa a transigência,
que mantém o convívio quando a
barreiramoralé franqueada.Omedo
maior das organizações é o escân-
dalo, aquebrada imagem. Omedo
maior dos empregados é ver a sua
dignidade ferida (Cherques,1990).É
maior do que a perda de salário. A
forçamoralestánadenúncia,noafas-
tamento,nacoragemdeenfrentaras
conseqüências.
O
TRABALHO
SEMO
EMPREGO
O limite de tolerância da ética é
absoluto.Os limites da tolerância
políticaeda tolerânciapsicofísica
variam imensamente. Os argu-
mentos válidos para um tipo não
o são para outros. Os limites são
individuais. Por essas razões as
linhas de rupturaentreo trabalha-
dor e o emprego são imprecisas.
Uma síntese das fronteiras da to-
lerância seria dada pela divisa
além da qual os argumentos a
seu favor perdem a validade. O
ponto em que o mal se torna
maior, o credo mínimo não é
mais compartilhado, em que a
dissidência leva à rebelião, a
irracionalidade leva à revolta,
em que a compreensão não é
mais possível, em que o aflorar de
idéiasdeixade seroperacional, em
que, finalmente, a tolerâncianãoé
mais do que o agenciamento do
conformismo. Um polígono for-
madopor esses pontos delimitará
condições sociopolíticas, psico-
físicas, éticas, paraalémdasquais
o intolerante ou intolerado se vê
constrangido ao trabalho indivi-
dualizado.
Para além dos limites de tolerância,
estãoa inatividadeeo trabalho indi-
vidualizado. O primeiro campo in-
clui aspessoasconstrangidasaviver
àmargemdasociedadeeosque,por
muito ricos ou muito preguiçosos,
preferemnão trabalhar.Ospáriaspor
opção.Osegundo,o trabalhador in-
dependente, o empreendimento de
uma só pessoa. É esse conjunto de
trabalhadores que parecemmelhor
se encaixar em algumas das formas
deproduzirqueemergiramda revo-
lução tecnológica.
O trabalho sem o emprego tem
sidovistonegativamente.Masnem
sempre o insulamento é umostra-
cismo. Elepode ser conveniente a
determinadas personalidades.
Além disso, a persistirem as ten-
dências atuais, é possível que o
trabalho não presencial venha a
ser a norma, não a exceção, nos
próximos anos. É provável que o
emprego, avinculaçãopermanen-
te a uma única organização, seja
residual em pouco tempo. O que
não é, necessariamente, ruim. O
trabalho inscrito no espaço
organizacional supõe inevitavel-
menteumamargemde tolerância.
E se a tolerância é construtiva, ela
não é, em si, boa. Foi Goethe
(1994) quemmelhor exprimiuessa
ambigüidade. Ele deixou escrito
que a tolerância deve ser transitó-
ria, que ela deve conduzir ao res-
peito e nadamais, porque, em úl-
tima instância, tolerar é ofender.
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