Julho_2003 - page 21

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R E V I S T A D A E S P M –
J U L H O
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A G O S T O
D E
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mentos em favor da tolerância não
mais se sustentam. Em que política,
física,psicológicaemoralmenteaop-
çãoque restaéada independência.
O LIMITE
POLÍTICO
O limitepolíticoouestratégicoédado
pela impossibilidade de obedecer à
ordem vigente, de o trabalhador in-
corporar como seus os processos e,
principalmente, asmetas da organi-
zação.Dentreosquepensarama to-
lerância, Locke (1959, 1964) foi
quemmaisassiduamente tentoucon-
ciliaraconsciênciacomaobediência
a uma ordem. Argumentou, por
exemplo, que ou bem o Estado é a
expressão coletiva das consciências
individuais, ou bem devemos obri-
gaçãomaior anossaconsciênciado
queaoEstado.O impasse se resolve
se e quando o Estado se torna a ex-
pressão consentida do pensamento
individual. O que é ambição de to-
dos. Infelizmentenonossocampode
interesse,odasorganizações, issosó
é possível em associações de
voluntariado. As relações entre em-
pregados e empregadores não se
constroemmedianteaalienaçãodas
consciências.
A tolerância como reconhecimento
de todososcidadãoscomo iguaiséa
condição do pluralismo democráti-
coque,parao liberalismopolítico, é
osistema justificáveleticamentepara
reger o Estado e a coisa pública. A
tolerânciacomo reconhecimentode
todososcidadãoscomo tendoomes-
movaloréacondiçãodocoletivismo
que, para o socialismo, é o único
sistema justificável eticamente para
regeroEstadoeacoisa pública.Ne-
nhumadas duas posições apregoaa
tolerância absoluta. Mesmo no âm-
bitodo liberalismoéevidente, como
demonstrouWolff (1970),contraMill,
que a tolerância não pode ser
irrestrita. Seo for, istoé, sea liberda-
de for plena, recaímosnaanomia, a
ausência de leis, descrita por
Durkhein (1967),que isolaohomem
da suacomunidade, da suacultura.
Esseosentidopolíticoda tolerância,
esseoseu limite.Têmsido freqüentes
as tentativas de transplantar a tole-
rânciapolíticaparaaadministração,
para a condução das organizações.
Tentativas quemedeiam entreo en-
godoeoequívoco.Nem tudoqueé
válido para a sociedade o é para as
organizações.
O liberalismo nomundo político é
isto:pessoas iguaisque têmconcep-
çõesdiferenteseencontramuma for-
madeconvivência.Asorganizações
HermanoRoberto Thiry-Cherques
“A ruptura sedá
quandoomal do
descrédito se
tornamaior do
que ode suportar
adivergênciade
interesses.”
são outra coisa. São formadas por
pessoas diferentes interessadas em
umobjetivo igual.A tolerânciapolí-
tica é o reconhecimento voluntário
dodireitode interessesopostos exis-
tirem.Asociedadedemocráticaope-
ra soboconceitode fimúltimo–um
fimbomem simesmo, comoa liber-
dade.Asorganizaçõesoperam sobo
conceito de objetivos mediatos, se-
jam eles econômicos, políticos ou
mesmoreligiosos.Nasorganizações,
a tolerâncianão éuma liberalidade,
mas umacondição.
A transposição de ideais políticos
para a gestão tem efeitos impre-
visíveis, o mais das vezes nocivos.
Tomemosumautorcontemporâneo,
JohnRawls,cujas idéias têmsidodis-
cutidas como fonte de orientação
estratégicadeagênciasgovernamen-
taisedeempresas.Aosepronunciar
sobre as liberdades básicas, Rawls
(2000) se fixasobreoquedenomina
“termoseqüitativosdacooperação”,
basicamente a boa-fé e o respeito
mútuo.Eleensinaque“numademo-
craciaos fundamentosda tolerância
edacooperação social sobreabase
do respeitomútuo ficamameaçadas
quandoasdistinçõesentre ...osmo-
dos de vida e ideais não são reco-
nhecidos”. Dessas considerações, e
de outras igualmente sábias, Rawls
derivaaprincipal teoriada justiçada
segundametadedo séculoXX.Mas
se tentamos aplicar conceitos como
o de boa-fé, respeito, cooperação e
ideais,àsorganizações,veremos ime-
diatamente que esses são termos da
cidadania,nãodaadministração.Por
exemplo, é lícitopresumir aboa-fé
de quem negocia, mas confiar nela
é uma ingenuidade. Não chegam a
5%osexecutivosbrasileirosque fun-
dam suas negociações unicamente
sobreaboa-fédoparceiro
(Cherques,
2003).Fossediferente,nãohaveriaa
necessidadedecontratos.
Dos argumentos a favor da tolerân-
cia, odocredomínimoeodacom-
preensão liberal não se aplicam à
condescendênciapolíticano interior
dasorganizações.Osargumentosde
que ninguém pode avocar a si a ra-
zão absoluta e de que a crítica faz
afloraras idéias tambémnãocabem.
Orespeitoem filosofiapolíticaéuma
reverênciaperanteuma razão supe-
rior.Orespeitona linguagemcotidia-
nadas organizaçõesmedeia entre a
admiração e o temor. Respeitar um
concorrenteou respeitar umparcei-
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