Setembro_2006 - page 102

Vladimir
Safatle
117
SETEMBRO
/
OUTUBRO
DE
2006 – R E V I S T A D A E S P M
retórica, temumadinâmicaprópria
de investimento e desinvestimen-
to de estratégias persuasivas. A
repetiçãocontínuadecertasestraté-
gias impõe uma lógica de desgaste
de certos conteúdos retóricos.
POSICIONAMENTO
BIPOLARDEMARCA
Esse processo de mercantilização
publicitária da frustração com o
universo publicitário serviu de
base para a análise das campanhas
da Calvin Klein e Versace. Nesses
casos, a hipótese inicial consistia
em afirmar que idéias vinculadas à
ambivalência sexual e ao descon-
forto com imagens ideais de corpo
estariam migrando para o cerne
da cultura de consumo. Uma mi-
gração que levaria consumidores
a se identificarem cada vez mais
com tais representações sociais.Tal
hipótese parecia corroborar uma
certa formacadavezmaishegemô-
nica de afirmar a obsolescência de
lógicas próprias a uma sociedade
repressiva, isto em prol do advento
de uma época de flexibilização e
“construção” de papéis sexuais.
Poderíamos, assim, esperar que
os consumidores de Calvin Klein
e Versace tivessem, de uma forma
ou outra, esse ideal de conduta.
No entanto, essa hipótese não se
confirmou através das entrevistas
realizadas.
SobreascampanhasdaCalvinKlein,
commodelos no limiar daanorexia
e com corpos desvitalizados, algu-
mas afirmaçõesdeentrevistados fo-
ram: “AscampanhasdaCalvinKlein
mostravampessoasquenãoexistem.
Ninguém tem aqueles corpos ma-
groseestilosos”, “Aquelenãoémeu
padrãodebeleza.Gostodemulher
comcarne” (consumidorbrasileiro).
Sobre aVersace, encontramos afir-
maçõescomo: “Hojeemdiaaspes-
soas são cada vez mais bi-sexuais,
as mulheres querem copiar o que
há de pior nos homens”, “Amarca
é tão chique que pode ser vulgar”,
“Não é o tipo de situação na qual
me vejomas hoje e
cool
tratar sexo
comoo jogo”.Taisafirmações foram
muito ilustrativas da média do que
foi encontrado pela pesquisa.
A conclusão aparente indicava que
parte significativadosconsumidores
da própria marca não se reconhe-
ciamnospadrõesdecorpoe sexua-
lidadedaprópriamarca.Oquenos
desafiava com aquestãode saber o
quê, então, sustentava o processo
de identificação entre consumidor
emarca. Notemos, por outro lado,
que, mesmo não se identificando
com tais padrões, a grandemaioria
dos entrevistados reconhecia esses
mesmos padrões como tendências
hegemônicas: “Cada vez mais os
adolescentes jogam com a ambiva-
lência sexual”, afirma um entrevis-
tado de 33 anos a quem foi pedida
uma projeção social a respeito das
representações de sexualidade pre-
sentes em um conjunto de peças
publicitárias da Calvin Klein. O
que indica a capacidade da marca
em se colocar como referência de
interpretação da vida social.
Masodado inusitadoconsistianessa
posiçãode consumidores demarca
com aqual eles não se identificam.
A chave para o problema consistia
em uma aparente contradição. Na
mesma época em que Calvin Klein
expunhaassuascampanhasheroína
chice suas representaçõesdecorpo
doente, mortificado, sexualmente
ambivalente (em campanhas, por
exemplo, para CK One, CK Be e
Obsession), eladisponibilizavacam-
“Não é o tipo de situação
na qual me vejo. Mas hoje
é
cool
tratar sexo como o
jogo”.
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