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R E V I S T A D A E S P M –
SETEMBRO
/
OUTUBRO
DE
2006
Algumas hipóteses sobre
a retórica do consumo
forma, apublicidademercantilizouo
discurso da dissolução do eu como
unidade sintética.
Sabemos como o eu está profunda-
mentevinculadoà imagemdocorpo
próprio, ao ponto em que desarticu-
lações na imagem do corpo próprio
afetam,necessariamente,acapacidade
desíntesedoeu
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.Mas,sevoltarmosos
olhosparaaretóricadoconsumoeda
indústriacultural, veremoscomoelas
passarampormutaçõesprofundasque
afetaramoregimededisponibilização
das imagens ideaisdecorpo.Ao invés
de
locus
da identidadeestável,ocorpo
fornecidopela indústriaculturalepela
retórica do consumo aparece, cada
vezmais, comomatéria plástica, es-
paçodeafirmaçãodamultiplicidade.
Isto levou um sociólogo comoMike
Featherstoneaafirmarque“no interior
daculturadoconsumo,ocorpo sem-
pre foi apresentado como um objeto
prontopara transformações”.
A princípio, tal situação estariamar-
cando,comoselodaobsolescência,a
idéia frankfurtianada indústriacultural
comonegaçãoabsolutada individua-
lidade. Pois, ao invés das operações
de socialização através da exigência
de identificação com um conjunto
determinado de imagens ideais, es-
taríamosagoradiantedeuma indústria
cultural que incita a reconfiguração
contínuaeaconstruçãoperformativa
de identidades. Na verdade, o setor
maisavançadodaculturadoconsumo
não forneceriamais ao eu a positivi-
dade demodelos estáticos de identi-
ficação.Ele forneceriaapenasa forma
vazia da reconfiguração contínua de
si quepareceaceitar, dissolver epas-
sarpor todososconteúdos. Issopode
nos explicar por que temos, cada
vez menos, necessidade de padrões
claros de conformação do corpo a
ideais sociais.
Foi tendoesteprocessoemvistaquea
pesquisa sedebruçou sobreaanálise
doposicionamentomundialdecomu-
nicação de quatro marcas nos anos
90: Benetton, Calvin Klein, Versace
ePlayStation. Este conjunto se impôs
porqueestamosdiantedemarcasque
influenciaram demaneira decisiva o
desenvolvimento da publicidade dos
anos 90 através de uma conjunção
entrenovidadeestilísticaeaapresen-
taçãodenovasrepresentaçõessociais.
A estética heroína chic da Calvin
Klein,aandroginiaea indeterminação
sexual daVersace, apublicidadeque
questionaosparâmetrosda linguagem
publicitáriadaBenetton,assimcomoo
corpomaquínico, fusional emutante
da PlayStation modificaram sensi-
velmente os limites e as estratégias
da retórica publicitária. Outro dado
importante a lembrar é que todas
estas campanhas foram criadas por
fotógrafos e agências internacionais.
Agências nacionais decidem apenas
aveiculação.NocasodaPlaystation,
sequer a veiculação é feita noBrasil.
Osespaçossãocompradosemveícu-
los internacionais (TVacabo, revistas
decirculação internacional etc.).
Noquediz respeitoaonossoobjeto
deestudos, podemos dizer queelas
estruturaram três representações
sociaisque foramanalisadasdetalha-
damente nesta pesquisa, a saber:
F
O corpo doente e
mortificado como ob-
jeto do desejo (Calvin
Klein, Benetton
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). Tal
representação já havia
aparecido anterior-
mente na estética dos
videoclipes e damoda.
Abeleza anoréxica de
KateMoss, por exemplo,
tinha, necessariamente,
algo dessa ordem de
representação do corpo
doente.