Janeiro_2002 - page 31

Revista daESPM –Março/Abril de 2002
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negraqueofereceoprodutode seu seio.
Comoolhar, faz-se sujeito, convidando
o enunciatário a entregar-se ao prazer
gustativo e tátil da amamentação, a sa-
borear o gosto de chocolate da sua pele
misturada ao leite puro.
Énesseencontro sinestésicodedife-
rentes ordens sensoriais, nessa percep-
ção visual que convoca a sensação tátil,
que a experiência dodegustar amulher-
chocolate adquire profundidade. O tato
é tratadoporGreimas
1
comoomaispro-
fundodos sentidos, cuja experiência re-
clama, por natureza, a conjunção total
2
entreo sujeito eoobjeto.Assim, omais
íntimo
3
de todos os sentidos
ressemantiza o gosto. Pelas palavras do
autor,
“o contato saboroso é efêmero,
descendo pela garganta (...) somente
quando ele repousa sobre a tatilidade
que lhe é conjunta
a amamentação, o
beijo
équeogostoreencontrasuaple-
nitude”
.
4
Dessa fusão sensual, gustativa e tá-
til, doprimeirocorpoquenosolha, cha-
mando-nos apartilhar dopurodesejoao
se libertar da sua roupagem, emerge o
segundo corpo, desnudo, entregue ao
nossoolhar.Na imagem tambémconge-
ladadeuma açãoque sedesenrola, uma
barra é flagrada ao se formar da massa
pura de chocolate.
Cor,disposiçãoe formapermanecem
na isotopia desencadeada pelo corpo da
mulher, recuperando suas propriedades
plásticas.Osdetalhesdas figuraseviden-
ciamaindamais aconstruçãoproposita-
damente similar das imagens: a
segmentação da barra retoma o corpo
ornamentado pelas pulseiras; a pele é
recriada pela luz que, sinestesicamente,
acentua a textura aveludada, caracterís-
ticadoschocolatesao leitequederretem
na boca.
Amulher revela ser, assim,metáfora
do chocolate. Reconhecida a compara-
ção entre os seres no plano da expres-
são, desvendamos seus efeitos de senti-
do no plano do conteúdo.Amulher, en-
quanto figura, recobrea temáticadopra-
zer, evocando o ato sexual eminente no
rasgar do invólucro com que oferece o
corpo.Sendoochocolateexplicadopela
mulher, por meio do mecanismo meta-
fórico, tomamos o prazer sexual por ela
figurativizadocomoaexplicaçãodeum
prazeroutro, gustativo: o saborear abar-
radechocolateque se forma, tãoprovo-
cante quantoo corpoque se despe, para
derreter emnossa boca em
purodeleite
.
Para provarmos desse deleite, basta
que rasguemos a embalagem do choco-
late, que é enfim apresentada na assina-
turado anúncio, acompanhadado enun-
ciado
ChegouDove. Puro deleite.
Nele,
oprazer sensorial evocadopelocorpoda
mulher transfere-se àmatériaque forma
ocorpodochocolate.Deleitar encontra-
se dicionarizado como causar prazer,
deliciar.No trocadilhomorfológico ins-
tauradoem
deleite
,esteprazer liga-seaos
ingredientes que constituem o produto.
Degustar os corpos, da mulher ou do
chocolate, é sentir prazer pela experiên-
cia–oupelo experimentar – estésicode
suas qualidades sensíveis.
dominânciados diferentes tons de cinza
criados por variações de luz,
mimetizando reflexosdoprata, équebra-
daapenaspela figuramesmado iogurte,
únicopontodepolicromatismopercebi-
do namassa de cor.
Três pontos de intensidade de luz,
correspondentes às duas colheres que
ladeiam a cintura damodelo e ao brilho
de seu cabelo, revelam a forma estrutu-
ralmente triangular do corpo. Assim, o
olhar do enunciatário é conduzido da
basedo triânguloaoseu topo,percorren-
do ascendentemente a linha da coluna e
seguindosua inclinaçãodaesquerdapara
a direita. Dali, é atraído pela região su-
perior direita do anúncio, que, não
obstante tratar-sedopontocegodapági-
na, assegurasua forçapelapresençapon-
tual do policromatismo. Nomeio desse
percurso, o enunciatário depara-se com
três linhas de texto verbal, agrupadas à
esquerda da figura colorida do produto,
que formam, com este, o bloco de assi-
naturadoanúncio. Por fim, resta-lhe se-
guir o suavedegradêdo fundo, que com
a crescente luminosidadeo conduz à re-
gião inferior do anúncio, onde se dese-
nhamais uma linha de textoverbal.
Três diferentes planos são reconhe-
cíveis na composição à direita do anún-
cio. Sobre o fundo cinza, uma figura de
umamulher é sutilmente sobrepostapor
duascolheresemprimeiroplano,que lhe
desenhamacintura.Dessa sobreposição
deplanosresultaumefeitodeafinamento
da silhueta, umavezque as colheres co-
brem parcialmente o corpo, acentuando
suas curvas.
O corpodamulher é vistode costas,
totalmente despido, emuma posição re-
clinada. É um corpo entregue ao nosso
olhar, que se exibe para ser contempla-
do. Seubraçoesquerdo, elevado, dobra-
se em direção às costas, revelando no
gestopouconatural umaposturademo-
deloqueposaparaumaobradearteclás-
sica.
Se a forma nos sugere amulher-mo-
delo, acornos revelaamulher-obra.Eric
Landowski
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observou que a estetização
do corpo–que implica sua objetivação,
Ocorpo
desnatado
Omonocromatismocaracterísticodo
anúncio de Dove é reencontrado no
anúnciodo iogurteMolico.Neste, apre-
“Aembalagemdo
produto,
reconhecível
pelaassinatura
doanúncio,
ésuaúnica
vestimenta.”
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