Revista daESPM –Março/Abril de 2002
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incompatívelcomsuaexistênciaenquan-
to sujeito potencial, como ocorre em
Dove–podedar-sepelo tratamentocro-
mático frio, nestecasoem tonsdecinza,
que reduz os contrastes de valores entre
os planos. No anúncio analisado, a dis-
tinçãoentreocorpoeo fundocomoqual
compartilhaacorsedábasicamentepelo
jogo contrastivo de luz e sombra.
Descaracterizado cromaticamente – em
relação ao referente domundonatural –,
o corpo constrói-se de áreas demaior e
menor brilho, destacando-se do fundo
por seu contorno luminoso.
Com isso, cresceo interessede
análise do papel desempenhado pelas
colheres, pontos principais de luz do
anúncio.Passemos,pois,aosegundoblo-
code leitura,ondevisualizamosuma ter-
ceira colher.
Este grupo de elementos é for-
madoporumblocode textoverbalepela
figura do produto anunciado. A
policromiadocopoedo iogurtecontrasta
com amonocromiadominanteno anún-
cio.Alémdacor, suadisposiçãomostra-
se também contrastante: vistode frente,
nos convoca a provar de seu conteúdo.
Temos, assim,
uma embrea-
gem, realizada
pela ação da
colher.
Além
de servir como embreante no nível
discursivo,acolherdesempenhasua fun-
ção característica no nível narrativo, o
conduzir do alimento, como adjuvante.
Da mesma forma, o fazem as duas pri-
meiras colheres (cuja função correlata
permite-nos que as tomemos como um
actante dual, o adjuvante que auxilia na
correção dasmedidas do corpo). Temos
assimdoisactantes recobertospelomes-
moator“colher”:aquele responsávelpor
conduziro iogurteàbocaeaqueleaoqual
cabe desenhar o corpo. Com isso, o ator
“colher” pode ser visto como um
conector de programas narrativos, que
identificaoprograma“consumirMolico”
ao de “modelar o corpo”.
Completa-se assim a mulher-obra,
fruto do cumprimento dos
programas narrativos con-
sumir Molico/modelar o
corpo.Sua forma longilínea
é a sanção pelo consumo do
produto,cujapromessa reside,des-
sa forma, noprazerdeagradaraquem
semostra.
Aanálisedo textoverbal reforçaessa
hipótese.Amagreza é proposta como o
objeto-valor doanúncio, discursivizada
pelo sintagma
0% de gordura
no enun-
ciado
Um iogurte que tem o que você
gostariaque o seu corpo tivesse: 0%de
gordura
.Essa figurametonímica,porsua
natureza, evidenciaa relaçãocausa/con-
seqüênciaveiculadanoanúncio:paraal-
cançaramagreza,éprecisoconsumirali-
mentos sem gordura. No caso,
Iogurte
Molico Light
, que aparece associado à
outra ocorrência do sintagma, no que
chamamos blocode assinaturado anún-
cio.
Na assinatura, o slogan
Sinta-se.... e
bem
com
Molico
enuncia,
sincreticamente, a sanção que premia
esta micronarrativa do consumo
construída visualmente. O
sentir-se... e
bem
correspondeàpercepçãoeufóricado
próprio corpo, fonte de prazer namedi-
da em que se adapta aos padrões vigen-
tes de beleza. Mostrar-se magro – pelo
consumo de Molico – é, enfim, sentir
prazer.
“Nele,oprazer
sensorialevocado
pelocorpo
damulher
transfere-se
àmatériaque
formaocorpo
dochocolate.”
Docorpoàobra:
estesiaeestética
Nos textos analisados, as figurasdos
corpos femininosdiscursivizamprazeres
diversos, aos quais correspondem dife-
rentes buscas.
EnquantooanúnciodeDove incitao
prazer da gula – e da volúpia –, o de
Molico trata de um prazer originado na
vaidade.Tantoquenesteúltimoaexplo-
ração das qualidades sensíveis do pro-
duto é secundária, ao contrário do que
seesperaemumanúnciodeprodutoali-
mentício.
A tipologia proposta por Eric
Landowski
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para o tratamento do gosto
contempla essas diferentes buscas. O
autor distingueduas tendências: ogosto
de gozar e o gosto de agradar, sendo o
primeiro de natureza objetal e o segun-
do de natureza subjetal. Admitindo que
acada tipodegostocorrespondaum tipo
deprazer,podemos identificarnosanún-
cios analisados o prazer que advém do
gozar o objeto e o que advém de agra-
dar ao outro, de acordo com as normas
sociais – dentre as quais os padrões es-
téticos – vigentes.
Assim, Dove vende-se pelo seu
ser
,
enquantoMolico, peloque
faz-ser
.