Christopher
Csikszentmihalyi
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J A N E I RO
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F E V E R E I RO
D E
2006 – REV I STA DA ESPM
racismo, amaioria das pessoas dirá
que é a sociedade, que se trata de
um problema social. Já quanto à
miopia, dirão: é uma doença natu-
ral. Ou a pressão sangüínea eleva-
daentreos afro-americanos, eassim
vai. O que realmente aconteceu,
nos navios negreiros, é que as pes-
soas que conseguiam reter melhor
os sais minerais sobreviviam por
muitomais tempo. Será que ameri-
canos e brasileiros teriam a mesma
pressãoarterial secomessemosmes-
mos tipos de alimento? E, se retêm
mais sal, morremmais de doenças
de coração? É isso um fenômeno
social ou natural? São questões
complicadas. La Tour diz que nós
dividimos artificialmente as coisas.
E chama a tudo isso de racismo.
Talvez você não tivesse miopia se
não lesse tanto, quem sabe? Há
cientistas, engenheiros, sociólogos,
filósofos analisando essas coisas,
mas a verdade deve, realmente,
estar “nomeio”, já que assim é, na
maioria das vezes. Isso ocorre com
a engenharia genética. Ninguém
discute que óculos paramíopes são
uma solução simples para um
problema objetivo; mas o racismo
é considerado incurável... Admitir
quealguémestápredisposto, geneti-
camente, aalgo,pode significar que
“o defeito” pode ser consertado.
Percebe?Deixade ser politicamente
correto... Há aspectos do
modernismoquecontinuam impor-
tantes, mas outros estão desmo-
ronando, e não por conta do pós-
modernismo. ComodizLaTour: “o
que existe no mundo não são
meios-termos ou médias; nem no
mundo social, nem no natural”.
JR
– Algo que nos deixa com in-
veja, em relação a pessoas como
você, é que trabalha num grande
centro, que cria, gera o conhe-
cimento. Para nós, brasileiros, isso
parece privilégio do primeiromun-
do, especialmente na área tecno-
lógica. Como podemos competir
mais eficazmente, nessa área?
CHRIS
–Veja, eu programo numa
linguagem chamada
Python
. As
pessoas que trabalharam no desen-
volvimentodessa linguagemprovêm
de todas as partes do mundo: são
indianos, tchecos, há brasileiros, um
argentino, ummexicano, um sueco,
um alemão... Cada um em seu país.
Isso não poderia ter acontecido há
10 anos, sem o espaço colaborativo
da internet. É o que eu dizia antes,
sobre o
open source.
Há um projeto
noMIT chamado “
ThinkCycle
” que
preconiza que ohemisfériodonorte
resolveráosproblemasdohemisfério
norte e, se Brasil ou um país do Sul
tiver sorte, encontrará uma solução
que funcione para eles.Vou dar um
exemplo: transfusões de sangue.
Custam uma verdadeira fortuna, na
Europa ou nos EUA – e têm
relativamente o mesmo custo ele-
vado em países como oBrasil, onde
os preços são similares aos dos EUA.
O grupo analisou o mercado de
transfusão e descobriu que era
necessárioqueo sanguegotejassena
velocidade certa. Se – nos Estados
UnidosounaAlemanha–houverum
erro e, em 20 pessoas, uma vier a
falecer, sua empresa será destruída,
por causa do rigor da lei. Toda essa
energiamobilizadaparaevitar falhas
tem a ver, também, com a proteção
jurídica. O processo era caro e
estudantes do MIT, da India, do
México e do Brasil, desenvolveram
um projeto alternativo, em que o
processo de gotejamento poderia
funcionar bem para esses países,
dentro da lei, mas a um custo bem
mais baixo. Há outro exemplo. Um
estudante da Austrália – que estava
trabalhando na Índia – desenvolveu
um processo para reduzir os custos
de óculos, bolando um sistema para
levá-los às pequenas cidades através
de caminhões, inclusive com mé-
dicospara fazerosexamesepreparar
as receitas.Assim, descobriuum tipo
de plástico – também usado para
proteger janelas de carros – flexível,
mas resistente. Bastava derramar o
material num dispositivo e em 5
minutos os óculos estavam prontos.
Isso tornoupossível uma reduçãode
custo de 300 dólares para apenas 9.
Um bom negócio, com estratégia
completamente diferente.
JR
– Na sua palestra (no Se-
mináriodeMídia), vocêdisse algo
quase emocionante: que toda a
tecnologia é ideológica. Poderia
elaborar um pouco mais a
respeito?
CHRIS
–Sevocêperguntar noMIT
– que é uma das duas melhores
instituições para desenvolvimento
tecnológico dos Estados Unidos –
se o que ensinam é político, dirão
“ALGUNSESTUDANTESESTÃO
TRABALHANDOEMTECNOLOGIASRELACIONADAS
AEXPERIÊNCIASFEMININAS.”