A impiedade dedutiva do
Sr. Thiry
R e v i s t a d a E S P M –
janeiro
/
fevereiro
de
2009
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sustentamumaconclusão.Éapresentadosoba formade inferências. Adedução,
a induçãoeaabduçãosãodiferentes formasdeargumentação lógica. “Acredito
emDeus” ou “cruzei os dedos” é uma constatação, mas não um argumento.
Aopassoqueasproposições “acreditoemDeusporqueaharmoniadomundo
indicaaexistênciadeumadivindade”e “todas as vezesquecruzei osdedoso
aviãonãocaiu”,sãoargumentosdedutivosporquepretendempersuadiralguém,
atéquemosprofere, dealgumacoisa (Dharamsi; 2005; 625).
OBarão sofreumais pelo seuanticlericalismodoquepelo seuateísmo.O seu
anticlericalismo também nada tinha de novo: é omesmo deMontagne, que
acreditava que a religião, com suas regras, seu céu e seu inferno, provém da
tradição:quenóssomoscristãoscomosomosalemãesou franceses (Montaigne;
1952; II,XII;123).OSr.Thiryeraumdesastradosocial,nãoumagitadorreligioso.
Tantoqueofereceu refúgioaos jesuítasexiladosem1762. Elequeriaemancipar
a humanidade das manifestações irracionais e fazê-la dona do seu destino.
Queria livrar as “instituições políticas e religiosas –dominadas pelo terror –da
inexperiência e dos preconceitos pueris que fazem com que o homem esteja
ainda em estado similar à infância, pouco propenso a consultar sua razão e a
ouvir averdade” (Holbach; 2008; 12).
Durante muito tempo atribuiu-se
o desentendimento do Barão com
Rousseau a ciúmes e maledicências
em torno da ópera cômica “Devin
du village”, deste último (Cushing;
1914; 14). Constados LivrosVIII e IX
dasConfissõesqueoSr.Thiryeraum
parvenu
.Rousseaucometeu inclusive
oequívocodedá-locomofilhodeum
cervejeiro, mas concedeu que fosse
amável e que abrigou os enciclope-
distas (Paillard; sd;04).Umapicuinha
podeparecer.Masoverdadeiromoti-
vodadesavença, acredita-sehoje, foi
que o Barão deduziu, com base em
premissas verdadeiras, queRousseau
havia desertado o campo do anti-
clericalismo (Solomon-Bayet; 1982;
171). Amaioria dos enciclopedistas
eradeístaeRousseau, gêniopolítico,
comcerteza inferiua impopularidade
queasposiçõesdoBarão trariampara
omovimento iluminista.
O Sr.Thiry não era um fanático.Mas
se apegava estritamente ao método,
à ciência, ao reto saber. Reeditados
constantemente, os seus textos são
para especialistas. A sua prosa, no
francês germânico do século XVIII,
ainda que corrigida por Diderot, é
hojeaborrecidaequase ilegível.Masa
firmezadassuasposições,bemcomo
a formacientíficaemqueasapresen-
tou, ajudoua iluminar opensamento
contemporâneo. Ele dedicou a vida
aoestudo, à redaçãoeàconversação
com seus amigos.Consagrou sua for-
tunaesuapessoaaprovera felicidade
eobem-estarsocial.Asuafilosofiapo-
lítica era simples: pretendia construir
uma sociedadedehomens instruídos
e felizes combatendo as facções e
defendendoosproprietários.
O Barão morreu sem se tornar um
citoyen
, ummês antes que a queda
OBarão sofreumais pelo seu anticlerica-
lismo do que pelo seu ateísmo. O seu
anticlericalismo tambémnada tinha de
novo: é omesmo
deMontaigne.
s
M. Dueñas