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R E V I S T A D A E S P M –
J U L H O
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A G O S T O
D E
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O positivismo endossou, com
Comte (1877), ousopolíticoda to-
lerância. Mas só em um primeiro
momento, quando ela seria útil
para o “processo crítico”. Depois,
quando se alcançasse uma nova
fase da história, a tolerância com-
pletanão seriamaisaceitável dado
que pode conduzir à dissolução.
Pelaoutra vertentedopensamen-
to, já no século XX, Gramsci
(1974) disseexatamenteamesma
coisa. Ele argumentouque a tole-
rância é necessária para que o
coletivo chegue a uma decisão
racional do que o partido deve
fazer, do seu fim, do seuobjetivo.
Mas que, uma vez fixado o
objetivo, deve haver intran-
sigência absoluta, sob pena de
diversão e fracasso.
Mais recentemente, o temavoltou
à discussão com o conceito de
“tolerância repressiva”deHerbert
Marcuse (1970). Ele demonstrou
ou pretendeu demonstrar que a
tolerância com os dissidentes na
sociedade liberal temopropósito
de servir nãoparaaemancipação
dos grupos e das pessoas explo-
rados, mas para adormecer os
impulsos libertários. Com isso,
torna-se repressiva, embora sob a
aparência de libertadora.
O argumento desenvolvido por
Marcuseé importantenão sópelo
que provocou – ele informou in-
telectualmente os movimentos
rebeldes de 1968, tanto nos EUA
como na Europa – mas porque
traz à luz a idéia de que a auto-
determinação é viciadapelas ins-
tituições. De que a ideologia da
tolerância favoreceaconservação
do
status quo
de desigualdade e
discriminação. De que só as mi-
norias extremistas, isto é, into-
lerantes, podem nos livrar da
destruição da liberdade, da re-
pressão oriunda da ideologia da
tolerância.
Ao longo desse desenvolvimento
a tolerância foi variando de signi-
ficado.Hámesmona língua ingle-
sa umadistinção entre
toleration
,
com acepção legal de permitir a
liberdade de culto, e
tolerance,
a
admissão do diferente.
Noentanto, todas essas acepções
têm um fundo comum que recai
sobre a flexibilidade da consciên-
cia perante a vida particular, do
indivíduo perante os outros, pe-
rante as instituições e, inversa-
mente, das instituições em face
dos indivíduos, da coletividade
em face do particular.
INTOLERANTES
E
INTOLERADOS
No campo das relações entre o em-
pregadoeaorganização,ocaminho
é omesmo: do trabalhador consigo
mesmo, dele com a organização, e
delacomo trabalhador.Asorganiza-
ções são instrumentospara sealcan-
çarobjetivos.A tolerânciaemrelação
a elas está no quanto concordamos
comosmeiosdeque fazemos usoe
comos seusobjetivos.
Dopontodevistapsicofísico,o limi-
te da tolerância é dado pelo quão
conscientementepodemossuportaras
penas eos sacrifíciosquenos reserva
oemprego.Dopontodevistaestraté-
gico, do quanto nos convém profis-
sionalmentealienar-nosaoprocessode
trabalhar para outros (não seriamais
proveitoso termos outra atividade?) e
doquantocompartilhamosdosbene-
fíciosdasorganizações.Dopontode
vistaético,do limitequeanossacons-
ciênciaaceitaeconcordacomopro-
cessode trabalho e comos objetivos
perseguidospelaorganização.
Um exemplo simples pode ajudar a
evidenciar a complexidadeda com-
binaçãodessapluralidadededimen-
sões.Comoquesabemoshojesobre
osmales do tabaco, trabalhar na in-
dústria fumageira pode ser, aomes-
mo tempo, compensador material-
mente,agradável físicaepsicologica-
mente, interessante profissionalmen-
tee intolerável eticamente.Aopasso
que trabalhar em uma organização
que combate o tabagismo pode sig-
nificar um sacrifício financeiro, um
caminhoparaaauto-realização,uma
desvantagemprofissional eum impe-
rativomoral.Oscamposda tolerância
são diferentes, os limites são indivi-
duais.Assuasmargens tambémosão.
Omesmoocorrequando invertemos
HermanoRoberto Thiry-Cherques
“Oque eles
demonstraram foi
que os que têm
espírito livre, os
que pretendem
mais doque
simplesmente
jogar o jogo
banal dodar e
receber, são
incompatíveis
com a vida nas
organizações.”