Julho_2006 - page 98

A ética e o
Marketing da esperança
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R E V I S T A D A E S PM –
M A I O
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J U N H O
D E
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azuis,nervosoe foradeprumo;o seu
ladoesquerdoeramuitomaiordoque
o direito. Admirava tanto seu avô,
quemandouqueo retirassemdocai-
xãoeprestouhomenagens aoesque-
leto, posto de pé com uma espada
empunho.
O homem era doido varrido. Como
muitos executivos contemporâneos,
tinha a esperança da onipotência.
Camões,seucontemporâneo,quevia
no rei apossibilidadedevoltaàs gló-
rias passadas de Portugal, incitava-o
comversos sobrea“setaveneranda”,
que supostamente era uma das fle-
chas que mataram São Sebastião e
quehavia sidopresenteadapeloPapa
ao rei. A carolice dava a atmosfera
do tempo, um tempo meio sem pé
nem cabeça e que ansiava por um
poucode razão.Cultivava-sea ilusão
queomundovoltassea fazer sentido,
o que é a esperança política mais
destrambelhada que há.
Este o personagem, esta a época.
Agora os acontecimentos e a lenda.
Numas das guerras travadas emMar-
rocos, havia sido trazidocomo refém
a Lisboa o xerifeMaula Ahmed bim
Abdulah. Parece que ele convenceu
DomSebastiãoaumaconquista fácil
do Marrocos. O rei demente pegou
o dinheiro do tesouro, armou um
exército de camponeses recrutados
à força e foi-se à África para fazer a
guerra. No areal de Alcácer-quibir,
no ano de 1578, tomou uma tunda
memorável. Expirou no campo de
batalha com quase todo o exército.
Depois dessa maluquice, o reino
ficou tão fraco que foi facilmente
anexado ao império espanhol. Os
anos de submissão que se segui-
ram e o fato de que nenhum dos
sobreviventes viu Dom Sebastião
morrer alimentaram as lendas em
torno do rei-fantasma, do “enco-
berto”, que voltaria da batalha
para redimir Portugal.
Sobre essa esperança que
continuamosadepositarem
cada líder que se nos o-
ferece, dos mais maravilho-
sos, como o Antônio Conse-
lheiro de Canudos, aos
mais desprezíveis em-
busteiros da opinião
pública, Fernando Pessoa deixou os
seguintes versos:
DOMSEBASTIÃO,REIDEPORTUGAL
Louco, sim, louco,
porque quis grandeza
Qual a sortenãodá.
Nãocoubeemmimacerteza;
Por issoondeoareal está
ficoumeuserquehouve,
não oque há.
Minha loucura,
outrosquea tomem
Comoquenela ia,
Sem loucuraqueéohomem
Maisdoquebestasadia,
Cadáver adiado que procria?
Esses estão entre os mais felizes ver-
sos de Pessoa; sem loucura, isto é,
sema insanidadedaesperança, cada
umdenós éumanimal, que, entreo
)
Camões, seucontemporâneo, que
viano rei apossibilidadedevolta
às glórias passadas de Portugal,
incitava-ocom versos sobrea
“setaveneranda”, que
supostamenteeraumadas flechas
quemataramSãoSebastião.
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