A ética e o
Marketing da esperança
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R E V I S T A D A E S PM –
M A I O
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J U N H O
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não estava corretamente fechada.
Comcuidado infinito, empurraapor-
ta e ela se abre. É já tarde da noite e
Abarbanel, silenciosamente, vai se
esgueirando pelos corredores. Com
tanto cuidado, tão lentamente, que
a fuga dentro da prisão dura horas.
Várias vezes é tentado a voltar para
sua cela. Temmedo de que, se for
pego, poderá ter uma morte ainda
pior. Na madrugada, dois domini-
canos passam bem perto dele. Não
o vêem... Decide seguir adiante.Vai
se arrastando até que consegue sair
do convento que era a sua prisão.
No alvorecer está em um horto de
laranjeiras e sente profundamente a
vida, a esperança que é a vida re-
novada. Sente, também, que, pelas
costas, alguém o abraça. Volta-se e
dácomoGrande Inquisidor cercado
pelos familiaresda Inquisição.Quase
enlouquecido, o rabi compreende
que havia sido submetido ao último
suplício, o suplício da esperança.
AESPERANÇA
HESITANTE
Essa é uma históriamuito triste. Me-
nos pela sorte do pobre rabi e mais
porquese refereaumsentimentoque
muitosdenóscompartilhamos. János
frustramos tantas vezes que escon-
demos a esperança que temos. E as
escondemos não só dos outros, mas
de nósmesmos: tememos o suplício
da esperança não realizada.. É um
fenômeno que associamos não ao
pessimismo,masao realismo, àobje-
tividade. E é um equívoco, porque
não ter esperanças no futuro com
base no que aconteceu no passado
nada tem de objetivo. Acho que o
filósofoKarl Popper tem todaa razão
quandodizquenãoépossívelprever
oque irá acontecer. E não é possível
porque vivemos aspirados pelo fu-
turo, não empurrados pelo passado.
A nossa conduta de hoje é ditada
pela idéia que temos do que vai
acontecer, nãopeloque jános acon-
teceu.Éaesperançaquecriao futuro.
É verdade que a incerteza quanto ao
futuro muitas vezes é objeto de ma-
nipulação. Pensoque existeumpara-
lelo entreomédico eo gerentenessa
manipulação da esperança. Omédi-
codeve ser umdispensador de espe-
ranças. A esperança derivada da fé,
mesmoque da fé na ciência, ajuda a
curar, dizem que chega atémesmo a
curar. Já nas organizações o uso das
esperanças deconhecer o futuroede
prolongar a vida me parece infame.
As técnicas de RH costumam pro-
meter oquenãopodem cumprir; dar
esperanças cuja realização não é
garantida,porqueasorganizaçõessão
caudatáriasdeprocessoseconômicos,
sociais, políticos e tecnológicos que
não controlam. Trata-se, o mais das
vezes, de um processo alienante. Da
alienação tomada no sentido de des-
vio da vida pessoal em benefício da
produtividade no trabalho.
É curioso que a defesa individual
contraamanipulaçãodaesperança
resida, algumas vezes, no cultivo
da insensibilidade. Victor Frankl,
um psiquiatra que trabalhou com
os judeus egressos dos campos de
extermínio, explicou como a su-
pressãodaesperançapode ser uma
estratégia de vida. Ele demonstrou
que, para não enlouquecer, o cati-
vo rejeita a esperança e o deses-
pero. No seu lugar desenvolve um
“vazio espiritual”; renuncia à auto-
apreciação e ao futuro; sente-se
felizpor estar vivonopresente.Nos
labirintos das organizações mo-
dernas encontramos tanto os espe-
rançosos como os desesperados,
mas achoqueos insensíveis, os va-
zios, os que nem desespero sen-
O filósofoKarl Popper tem
toda a razão quando diz que
nãoépossível prever oque irá
acontecer. Enãoépossível
porque vivemos aspirados
pelo futuro, não empurrados
pelo passado.
Victor Frankl, umpsiquiatra
que trabalhoucomos judeus
egressosdoscamposdeex-
termínio,explicoucomoa
supressão da esperança pode
serumaestratégiadevida. Ele
demonstrou que, para não
enlouquecer,ocativo rejeitaa
esperançaeodesespero.
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