Janeiro_2006 - page 38

O coelho e a
tartaruga
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REV I STA DA ESPM–
J A N E I RO
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F E V E R E I R O
D E
2006
eletrônicos, mais ágeis e capazes
de acompanhar as já citadas trans-
formações constantes daquele
lugar. Os consumidores formavam
um mundo paralelo às empresas,
agrupadosemcomunidadesvirtuais
que trocavam informações, conse-
lhos, desabafos e opiniões sobre
coisas e pessoas. E mais, interfe-
riam, utilizando-se de meios tec-
nológicos cadavezmais acessíveis,
nos produtos da mídia. Leitores
dividiama redaçãocom jornalistas,
usuários dividiam a programação
dos computadores com enge-
nheiros, fãs dividiam a autoria de
filmes com os roteiristas. Uma
participação condicionada pelo
poder aquisitivo, levantando a
questão mais importante: como
continuar com tantos bichos à
margem de toda essa agitação?
Tudo regidopela lógicado jogo, na
qual as regras vão sendo reveladas
à medida que o jogador avança e,
só se tornam disponíveis ao aden-
trar no ambiente lúdico. Uma lógi-
ca que pode ser percebida tanto
como fonte de poder para o consu-
midor como uma novamaneira de
capturá-lo.
O coelho e a tartaruga respeitavam
as antigas gerações, pelomenos no
discurso. Mas não lhes davam a
devida importância.A tartarugapor
acreditar que, sendo os bichos
sempre osmesmos, tudo não passa
de repetição e aperfeiçoamento e,
portanto, o que faziam no passado
era muito parecido com o que ela
fazianopresente.Ocoelho, convic-
to de que a realidade era comple-
tamente nova, não enxergava
aplicaçãopossívelparaasexperiên-
cias das velhas gerações.
Ele achava que os bichos de hoje
eramcompletamentediferentesdos
de ontem e ela acreditava profun-
damente que não houve nenhuma
grande transformação desde a era
glacial.Masambosqueriamconhe-
cê-los profundamente. Buscavam
esquadrinharcotidianosparadefinir
em quemedida amídia atua como
agente na construção de compor-
tamentose identidades.Almejavam
estabelecer um envolvimento efe-
tivo de suas empresas com seus
consumidores.Mas faziam issocom
olhares embaçados depreconceito.
O coelho impressionava-se com
cada novo movimento da bicha-
radae ficavadesatentoaoqueesses
movimentos tinham em comum. A
tartaruga, por sua vez, enxergava
sempre o “velho e bom bicho de
sempre”, que infelizmente ela
nunca tinha realmente conhecido.
Depoisdealgum tempo, a tartaruga
faliu e o coelho também.
No calor da batalha mercadoló-
gica, os dois empresários, aparen-
temente antagônicos, não per-
ceberam que suas posturas guar-
davam uma íntima complemen-
taridade. Não foram capazes de
associar a ênfasenohomem enos
conteúdos à necessária percep-
ção que a tecnologia interfere
nesses conteúdos, sobretudo pela
sua capacidade de gerar situa-
ções novas.
As empresas fecharam as portas
numa sexta. Na segunda-feira se-
guinte, dois luminosos já dispu-
tavam a atenção dos que transi-
tavam naquele lugar. Com dois
símbolos gráficosmuito sugestivos:
um caranguejo com asas e um
golfinhoenroladonumaâncora.Os
slogans
, similares, comunicavam
algocomo“apressa-te lentamente”.
Há quem diga que essas novas
empresas têm o coelho e tartaruga
como acionistas majoritários.
POSSÍVELMORALDA
HISTÓRIA
Pressionados pelo excesso de
informação e pela ausência de
objetivos comunitários, muitas
vezes repousamos nos estereótipos,
abrindo mão da percepção e
estreitandonosso campomental. É
importante lembrar queas opiniões
andammais depressa que o real e
concluem coisas demais. Só uma
relação cuidadosa com o outro
permite passar da opinião para o
conhecimento. Um empenho que
inclui afinidade e uma recusa do
que foi estabelecido sem a nossa
concordância e experiência. Essa
atitude vale, nesta história, para a
relação com o consumidor e com
a tecnologia.
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