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R E V I S TA D A E S PM –
S E T E M B R O
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O U T U B R O
D E
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Entre
vista
Gallasso–
De fato, são indústriasmuito
diferentesdasqueatuamnossupermer-
cados.Ocorrequeasituação,nosanos
80, nesses dois tipos de indústria, era
quasemonopolística.Unspoucosman-
davamnessesmercados.
JRWP–
Veja,aqui,o jornal
OGlobo
faz
umacríticaaopessoaldacerveja,dizen-
doqueestãonacontramãodaleidaofer-
taeprocura.Estamosno inverno,ocon-
sumocaieelesaumentamospreços.Você
achaqueissotemavercomessamenta-
lidademonopolísticadequevocê fala?
Gallasso–
Tem,muito.Mas temosque
separar asduas fases: oBrasil daépoca
dainflaçãoehoje.Muitasempresasnão
entenderamoBrasilpós-inflação,quejá
vaicompletando10anos.Analisandoa
questãodossupermercadoseessacon-
centração…ascadeiasmédiasnoBrasil
erammuito boas, mas venderam suas
lojas para asmaiores porque não tive-
ramcondiçõesprofissionaisdeenfrentar
umpaísseminflação,debuscareficiên-
cia.Naépocadainflação, essascadeias
de varejo – eos atacadistas também –
praticamenteviviamda inflação.
JRWP–
Comoeraessemecanismo?
Gallasso –
Era simples. Analisandoos
balanços de supermercado, na época,
eles não tinham lucro operacional; só
lucro financeiro.Compravamnumpra-
zomédiode45diasevendiamavista.
Assim,tinhamocapitaldegirofinancia-
do, aplicavam o dinheiro nomercado
financeiroe issoproduzia resultados.
FG
–
Sóqueestavamsedescapitalizando
cadavezmais…
Gallasso–
Masnãoentendiamisso,por-
queomercado inteiroera ineficientena
épocada inflação.A indústria também,
mas essa ineficiência era coberta por
aumentosdepreço. Eosconsumidores
pagavamportodaessaineficiência.Ima-
ginemque,quandoacabouainflação,o
pessoaldossupermercadistaspergunta-
va-nosaquepreçodeveriamvenderos
produtos. porque não tinham idéia de
margemdeproduto.Vinhamnospergun-
tar quemargemdeveriam aplicar, por-
quenãosabiam.Muitagentenãocon-
seguiusuperaressacultura inflacioná-
ria. Viviam felizes com a inflação e
quandoeladeixoudeexistir, continu-
aram ineficientes. Por isso, acabaram
vendendo–emuitosvenderamnuma
épocaextremamentepropícia.Muitas
empresas foram compradas bem aci-
mado seuvalor.
JRWP –
Você fala das empresas
varejistas?
Gallasso–
Sim.Masessasempresas fo-
ram vendidas a umpreçomuitobom.
Todas elas.Tanto é que hoje empresas
como Ahold – que comprou o Bom
Preço–,SonaeeopróprioCarrefoures-
tão lamentandoosdólaresquecoloca-
ramnoBrasilenão tiveram retorno.
FG
–
Gallasso, no início, você faloude
uma tendênciamuito importante,queé
o planejamento cliente a cliente e não
mais linear.Ascotasdevendasporpro-
dutos – como era praxe – estão sendo
substituídas, ou pelomenos comple-
mentadas, por cotas cliente a cliente, o
quemostra a importânciamaior de al-
guns clientes –as grandes redes –e, de
certaforma,aproximaavendaaovarejis-
tadastécnicasdeB2B.Umagrandeside-
rúrgicatem,nomáximo,500clientes.Para
eles,oplanejamentosempre foi feitocli-
enteacliente.Anovidade,então,nocaso
dasgrandes indústrias,éque50clientes
entreos50milpassama correspondera
metadedasvendas,oualgoassim.
Gallasso–
NoBrasil,aparticipaçãoain-
danãoétãoconcentrada,nãosecompa-
raàeuropéiaenemmesmoàArgentina.
Lá,oCarrefourchegaarepresentar25%
dos negócios deumaempresa.OWal-
Mart nos Estados Unidos representa
facilmente25%dos negócios de várias
empresas. Isso é terrível, porquemuda
totalmentea relaçãoentreasempresas.
JRWP –
Por que noBrasil essasmega-
organizações não tiveram aindamaior
sucesso?
Gallasso–
OCarrefour tevebastantesu-
cessonoBrasil.Asoperaçõesdaempre-
sanoBrasilenaArgentina forammuito
bem-sucedidas,inclusivefinanceiramen-
te, no tempoda inflação.Hojemenos.
NaFrança,eles tinhamatémaisdificul-
dades com a competição. Muitas em-
presasbrasileirasdevarejocontrataram
executivosdoCarrefourmasnãoconse-
guiram os mesmos resultados, porque
haviaoproblemadecultura.Umaem-
presabrasileiranão tinhaamesmacul-
turanegocialque tinhaoCarrefour.
FG
–
QuandooCarrefourseinstalouaqui
emSãoPaulo,minhamulhercostumava
dizerqueoscaixas pareciamgerentesdo
Peg&Pag.Eraoutraapresentação.
JRWP–
Vamosfalarsobrecultura.Cul-
tura de vendas, o espírito, a idéia de
vender,decompetir.Umamigo, filho
deportuguês, que temumapequena
indústria, o pai levou-o a visitar Por-
tugal quando ele era garoto. Numa
agênciadeviagensportuguesa, oga-
rotoouviudodiretordaagência:“Esse
pessoaldaVarigestáestragandoomer-
cado,porquecorrematrásdaspesso-
asparavender passagens. Issoéuma
tolice, pois quem quer viajar vem à
agência”. Faleumpoucodessanossa
herançacultural.