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setembro/outubrode2013|
RevistadaESPM
Bens ou serviços? Essa dicotomia é, provavelmente, uma das mais tradicionais
formas de classificação de produtos existentes emmarketing. Porém esse
conceito parece ultrapassado ante as demandas da sociedade contemporânea,
para a qual o valor de umproduto está na sua funcionalidade, na sua
capacidade de resolver problemas, e não propriamente na sua posse
Por Edson Crescitelli e Iná Futino Barreto
N
ofinal da década de 1960, umfamoso artigo
escrito por Philip Kotler e Sidney J. Levy já
apontava a importância para as empresas
em ofertar aos mercados muito mais do
que apenas umbem físico. No texto
Broadening the con-
cept of marketing
, publicado no
Journal of Marketing
, em
janeiro de 1969, os autores afirmaram que as empresas
deveriamoferecer aquilo que de fato o cliente busca, ou
seja, uma solução. Sob essa ótica, qualquer coisa que
tenha valor para umgrupo de potenciais consumidores
pode ser encarada como produto. Tudo aquilo que possa
ser oferecido emuma relação de troca é um tipo de pro-
duto: carros, casas, roupas, cortes de cabelos, conselhos,
aulas, cidades e até ideias.
Logo, o que deve ser foco no momento de construir,
distribuir ou comunicar produtos é a solução que deter-
minado item oferece. Por exemplo: uma empresa que
vende cosméticos não oferece apenas batons às suas
consumidoras, mas simduas soluções: beleza e autoes-
tima. Em2012, no livro
Administração de marketing
(Edi-
tora Pearson), Kotler e Kevin L. Keller voltama afirmar:
quemcomprauma furadeiraestá, naverdade, comprando
um furo. Quem se hospeda num hotel está comprando
descanso e pernoite.
As soluções entregues, noentanto, podemser apresen-
tadas por meio de diferentes tipos de produto. A forma
mais tradicional de classificação divide os produtos
entre bens (tangíveis) e serviços (intangíveis). A defini-
ção desse conceito aparece de forma bastante objetiva
no livro
Princípios de marketing de serviços
, de Douglas
Hoffman, JohnBateson, Ana Ikeda IkedaeMarcosCortez
Campomar (Editora Cengage Learning, 2009). Nele, os
autores definemque serviços são produtos intangíveis,
ações, esforços oudesempenhos. Por outro lado, bens são
produtos físicos, objetos, dispositivos ou coisas. Mas os
próprios autores destacam que é difícil encontrar bens
ou serviços puros, ou seja, serviços sem nenhum com-
ponente tangível e vice-versa. Por exemplo: quando se
compra umcarro (que é umobjeto, algo físico e, portanto,
claramente um bem), os serviços de entrega, revisões,
manutenção, seguro, financiamento e licenciamento são
serviços vinculados ao bem. Da mesma forma, quando
se vai a umrestaurante, o que se está comprando: a expe-
riência do momento, a ação intangível ou a comida em
si? Na verdade, tudo isso está sendo comprado junto!
É justamente por essa dificuldade de se encontrarem
bens puros ou serviços puros que se pode questionar a
divisão dicotômica entre bens de um lado e serviços de
outro. O que existe, na verdade, é um contínuo, ou uma
escalade tangibilidade, que variadesde obemmais pura-
mente tangível até o serviçomais puramente intangível,
passandopelocentro, umpontomaishíbrido.Noextremo
“bem”, podemos listar sal ou refrigerantes. No extremo
“serviço” está a terapia oumesmo o ensino. Mas restau-
rantes
fast-food
ou roupas sobmedida estão no centro da
escala e não podemser classificados convenientemente
como bens, nem como serviços, pois são híbridos.
Quanto mais a fonte de valor para o cliente provier
de parte tangível do produto, mais próximo do extremo
“bem” do contínuo o produto será alocado. Da mesma
forma, quantomais intangível for o benefício central do
produto,mais pertoda extremidade “serviços” ele estará.
Noentanto, observa-seuma tendênciademigraçãodas
ofertasdemercadoparaocentrodocontínuode tangibili-
dade. Ou seja, os bens (cada vezmais comoditizados) pas-
sam a agregar valor por meio da inserção de serviços de
apoio. Já os serviços estabelecem um vínculo mais forte
com bens. Ambos movimentos ocorrem em direção a
uma oferta única, pautada no valor entregue ao cliente.
Essa tendência, no entanto, não é recente. Regis
McKenna já se referia a ela e a chamava de “serviciliza-
ção dos bens” e “produtilização dos serviços”, no início