Setembro_2001 - page 12

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Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2001
ções. O mito da identidade unificada,
construídopelo iluminismo, não se sus-
tentamais no atual contexto, “... as ve-
lhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram omundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identida-
des e fragmentando o indivíduomoder-
no, atéaqui vistocomoum sujeitounifi-
cado. (...) Esseprocessoproduzo sujei-
to pós-moderno, conceptualizado como
não tendo uma identidade fixa, essenci-
al oupermanente.A identidade torna-se
uma ‘celebração móvel’: formada e
transformadacontinuamenteem relação
às formaspelasquais somos representa-
dos ou interpelados nos sistemas cultu-
raisquenos rodeiam. Édefinidahistori-
camente, enãobiologicamente.O sujei-
to assume identidades diferentes em di-
ferentesmomentos, identidadesquenão
são unificadas ao redor de um ‘eu’ coe-
rente.Dentrodenóshá identidadescon-
traditórias, empurrando em diferentes
direções, de talmodoquenossas identi-
ficações estão sendo continuamente
deslocadas. Se sentimos que temos uma
identidade unificada desde o nascimen-
to até amorte é apenas porque construí-
mosumacômodaestóriasobrenósmes-
mos ou uma confortadora ‘narrativa do
eu’.A identidade plenamente unificada,
completa, segura e coerente é uma fan-
tasia. Ao invés disso, à medida em que
ossistemasdesignificaçãoe representa-
ção cultural semultiplicam, somos con-
frontados por uma multiplicidade
desconcertanteecambiantede identida-
des possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente.” (Hall, 2000: 7-13)
Nesse universo, o consumo revela-
se, cada vez mais, um campo frutífero
paraaexpressãoeemergênciademilha-
res de desejos diferentes, namedida em
que “nas novas gerações as identidades
seorganizamhoje tantoapartirdossím-
bolos nacionais como em torno daque-
les produzidos porHollywood, Televisa
ouBenetton.Homensemulheres, sobre-
tudoos jovens,percebemquemuitasper-
guntas próprias dos cidadãos – aque lu-
gar pertenço e que direitos isso me dá,
como posso me in-
formar, quem repre-
senta meus interes-
ses–sãorespondidas
mais pelo consumo
privadodebensedos
meios de comunica-
çãodemassa doque
peloexercíciodasre-
gras abstratas da de-
mocraciaoupelapar-
ticipaçãocoletivaem
partidos ou sindica-
tos desacreditados”.
(Canclini 1999:63)
Retomando a
analogiasugeridano
início deste artigo –
para iniciar amonta-
gem de uma nova
cena –, é possível
transportaracrisede
relacionamento que
constitui o cerne da
peça de Albee para
os dias de hoje, situ-
ando-a no núcleo de
um conflitobastante
atual: oembateentreconsumidoresque
fazem da apropriação de bens um ins-
trumentodeaçãopolíticaeaquelasem-
presas que insistem em não adequar as
suas estratégias aos novos tempos,
funcionando basicamente segundo o
princípiodoproduzir evender e situan-
do o cliente no fim do processo.
3. Amontagem
da cena
Oconsumo–assimcomooutrases-
tratégias de manifestação social e cul-
tural – é um fenômeno que só pode ser
avaliadoem relaçãoaocontextoemque
sesitua,bemcomoàespecificidadeque
osconsumidoreseprodutoresadquirem
nomesmo.O atode consumir tal como
era realizado no início do capitalismo
constituía um privilégio restrito, tanto
em relação às mercadorias ofertadas
quantoàquelesque tinhamacessoàsmes-
mas. Num contexto em que a produção
debensmateriais prevalecia sobre apro-
duçãodebens imateriaiseofocodasaten-
ções estava preponderantemente voltado
para os produtos, o consumo era avalia-
do como um fenômeno que tinha início
naofertadebens e culminavanademan-
da de uns poucos em relação a essa ofer-
ta. “Naordemdeprodução tradicional, o
clienteestavano final dacadeia.Osven-
dedoreseaspessoasdemarketing tinham
a missão de empurrar para omercado o
que saía da linha de produção.” (Kotler,
2001)
Como herança dessa origem, é fre-
qüente encontrar nas Ciências Sociais
análises que associam o consumo com
gastos inúteisecompulsivos,estimulados
a todomomentopelosmeios de comuni-
cação de massa. Trata-se de uma visão
que, calcada numa interpretação especí-
fica da famosa frase deMarx – “‘Os ho-
mens fazemahistória,masapenassobas
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