Setembro_2001 - page 13

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Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2001
condições que lhes são dadas – tira dos
indivíduosqualquerpossibilidadedese-
rem agentes da história, na medida em
que eles só poderiam agir determinados
por condições históricas criadas por ou-
tros e sob as quais eles nasceram, utili-
zando recursosmateriaisedeculturaque
lhes foram fornecidos por gerações an-
teriores”’. (Hall, 2000: 34-35)
Contestandoesseenfoquedeterminista
– que coloca os produtores e distribui-
doresdemercadoriasnopapeldevilões,
eos consumidores comovítimas,meros
receptores passivos daquilo que lhes é
imposto pelo sistema –, estudos recen-
tes sobre comunicação de massa têm
mostrado a não-pertinência da compre-
ensãodas relações entre emissores e re-
ceptoresdemensagenscomomerosvín-
culos de dominação. “A comunicação
não é eficaz se não inclui também
interações de
colaboração e transação
entre uns e outros” (Canclini, 1999), re-
lações que nem sempre ocorremdema-
neiraharmoniosamasquesãopermeadas
por conflitos. “O consumo, dizManuel
Castells, é um lugar onde os conflitos
entre classes, originados pela desigual
participação na estrutura produtiva, ga-
nham continuidade através da distribui-
ção e apropriação de bens. Consumir é
participar deumcenáriodedisputaspor
aquilo que a sociedade produz e pelos
modos de usá-lo.” (Canclini, 1999: 78)
Nessa perspectiva, as relações de
consumoaparecemcomoumcampopri-
vilegiado para entender as relações de
poder na sociedade, relações que têm
sido legitimadas através da criação de
códigos do consumidor e que também
vêm sendoestimuladaspeloaumentoda
concorrênciadecorrentedaglobalização.
MicheldeCerteaupermiteampliaro
entendimento das dimensões que toma
essa estrutura de poder na
contemporaneidade ao sugerir que “... a
análise das imagens difundidas pela te-
levisão (representações) e dos tempos
passados diante do aparelho (comporta-
mento) deve ser completadapeloestudo
daquilo que o consumidor cultural
‘fa-
brica’
durante essas horas e com essas
imagens. Omesmo se diga no que diz
respeito ao uso do espaço urbano, dos
produtos comprados no supermercado
ou dos relatos e legendas que o jornal
distribui”. (Certeau, 2000: 39)
Aprofundaressa linhaanalíticamos-
tra-se frutíferonamedida emque alerta
paraonecessário redimensionamentoda
noçãodeprodução: produzirpassaa ser
entendido enquanto um processo mais
amplo, não se limitandoaoatode fabri-
car e oferecer bens, mas englobando
também a fabricação simbólica efetua-
daaquémealémdessesbens, sejameles
concretos ou não. Nesse sentido, toda
análisedas representaçõesedocompor-
tamentodoconsumidorde imagensdeve
ser avaliada enquanto uma relação pro-
dutiva da qual o consumidor também
participa.
Paraomarketing–que tambémvem
realizando um deslocamento análogo
nos últimos tempos –, o abandono do
determinismo está relacionado à com-
preensão de que as estratégias bem-su-
cedidas são aquelas que não se limitam
à propaganda e vendas, ou ameras ten-
tativas de aumentar a demanda. “Sem-
pre tivemos e sempre teremospesquisa,
propaganda, promoção e força de ven-
das.Oquemuda é como cadaumades-
sas etapas acontece (...)Oque funciona
agora,ecadavezmaisdaquiparaafrente
... é o chamado marketing reverso. Os
preços são determinados pelos clientes.
Omaterial publicitário sobre a empresa
nãoéempurradoaos consumidores,mas
aceito por eles. Algumas empresas vão
além e trazem os consumidores para a
produção. São os
prosumers
(uma
corruptelaem inglêsdaspalavras
produ-
tor
e
cliente
). O exemplomáximo disso
é a americana Dell, que produz compu-
tadorescustomizadossemprequeumcli-
ente faz um pedido (...) Há muito mais
acontecendo (... )AEMI éuma empresa
de tecnologiaquedesenhaequipamentos
de armazenamento de informação com
base nas necessidades do cliente. Ouvi
dizerquena Internetháumaempresaque
fazequipamentosparadentistas.Eospro-
fissionaisquequeremcomprá-losrespon-
dem a um questionário em que dizem a
altura que têm, se são destros ou canho-
tos. Eles podem fazer um equipamento
especialmentemoldado a essas caracte-
rísticas pessoais.” (Kotler, 2001)
Para acompanhar essasmudanças de
posicionamento, é fundamental que o
consumo seja recontextualizadoeenten-
dido no âmbito da sociedade pós-indus-
trial, emque a produçãode bensmateri-
aisemgrandeescalavemcedendo lugar,
em termosde importância, àproduçãode
serviços, de informação, de estética, de
símbolos e de valores. “A revolução di-
gital alteroumuitosaspectosdavidadiá-
ria das pessoas e das empresas. Os con-
sumidores podem fazer compras de suas
casas ou de onde quer que estejam nas
24 horas do dia e nos sete dias da sema-
na. Eles podem fazer pesquisas depreço
pela internet. Algumas vezes, eles pró-
prios determinam o preço de produtos
disponíveis.” (Kotler, 2001)
Longe de ser umamera formalidade
ou amanifestaçãode uma atitude politi-
camente correta, o entendimento deste
novo estatutoda relação entre “produto-
res” e “consumidores” significa a possi-
bilidade concreta de umamaior adequa-
ção à tendência que o consumo tem de-
monstradode ser,muitomaisdoqueum
espaço restrito à troca demercadorias, o
cenário das mais variadas interações
socioculturais “...o consumo é visto não
“Esseprocesso
produzo sujeito
pós-moderno,
conceptualizado
comonão tendo
uma identidade
fixa, essencial ou
permanente.”
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