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Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2001
não referendadas, emúltimaanálise,por
outras unidades formais congêneres, e
co-presentes.De todomodo, àscoerções
impostas por convenções artísticas vêm
somar-se as do meio social e cultural,
alémdaquelasatinentesao
repertório
do
leitor, para nada dizer do ímpeto
avassalador de seumanifesto desejo.
Leitura
designará uma atividade es-
sencialda inteligênciahumana,pelaqual,
mediante um conjunto de operações
mentais, formasdecomunicaçãopossam
serpercebidaseapreendidas, resultando
suaulteriorassimilaçãoemprocessoge-
rador denovas idéias.Domesmomodo,
eporsemelhantearrebatamento,umavez
organizadasporumatodedisciplinaem
esforçoconsciente–possamas informa-
çõesobtidasserassimiladascomodados
de conhecimento. O
leitor
se apercebe
de sua situação de “criador”: pela
leitu-
ra
que faz, coleta sentidos; e, pela natu-
reza e o grau da
informação
que dete-
nha, os seleciona e elege. Somente pelo
plenoatendimentodestaexigênciapode
a
leitura
erigir-seemgenuína
intelecção
.
Portanto,
ler
é inquirir a obra e perscru-
tar seu alcance ideológico, sua proposi-
çãomítica, ao tempo em que se indaga
de sua essência filosófica; é perquirir o
fundo sóciocultural que a constitui; é
perceber o seu não-dito, suas omissões,
aquilo sobre o que ela silencia.
A
leitura
se afigura, desde logo,
concretização possível ou fixação pro-
vável do que uma obra traz como
indeterminado. Também por
leitura
po-
derá ser chamado o “comentário mun-
dano”, quer o de cunho pessoal, quer o
deprocedência jornalísticaoupublicitá-
ria, tal comoocorreemsociedadesurba-
nas. Dá-se assim conta de um desfrute
estéticooupor talmodo seassinalauma
identidade cultural, afirmando-a em sua
competência própria. Pelo fato de um
vivosentimentodeadmiraçãodesempe-
nharem tal
leitura
importantepapel, jul-
gamentos de valor, idiossincrasias, ati-
tudes de natureza impressionista, apro-
vações incondicionais ou repúdios mal
justificados, a par de uma variada gama
de manifestações de humor, costumam
virmisturados em sua base crítica. E o
claro risco,queaqui secorre, éodepro-
duzir-se pouco mais do que a expres-
são, algodesorganizada,deum feixede
impressões pouco consistentes e
fugidias.
Em nossos dias, chamamos
leitura
ao processo de descortino de (novos)
horizontes e à afirmação de uma auto-
nomia filosóficado
leitor
, que, pormé-
ritos de uma conquista pessoal, estará
habilitado a fazer valer uma visão sub-
jetiva e particular do mundo, uma
Weltanschauung
rigorosamente perso-
nalizada.Todavia,nãopercamosdevis-
ta que se, tal como o faz o senso co-
mum, tomarmospor
leitura
a“interpre-
tação levada a termo em funçãode ati-
tudes espirituais, lastreadas por idéias,
ideais e convicções previamente assu-
midos”, estaremos admitindo que, não
raro, o
leitor
toma por exatas, verdadei-
ras e universais, noções que lhe são so-
mente familiares e caras, pois integramo
seu
repertório
. E, se aí se encontram, já
não mais constituem
informação
perturbadora, capaz de abalar certezas e
produzir desconforto intelectual.A
leitu-
ra
,nestecaso,pode reduzir-se tantoàade-
são entusiástica, quanto à rejeição sumá-
ria.Numenoutrocasos, lamentavelmen-
te, severifica idênticaausênciadeumes-
forço aturado de compreensão, respalda-
doporum tinocríticoquenão façadeum
prato finoumprato feito.
Vamos que a
leitura
se faça simples
apreensão em plano de superfície e, não
obstantesuaestrita literalidade, arroguea
si direitos depensamento crítico, expres-
so em arrazoado estéticoou filosófico.A
revelação (e, no
leitor
, a repercussão) de
distintos conteúdos, de fundo ideológico,
psicológicoououtro, não tardaráa impri-
mir forma e a prover substância ao que
foi lido, como sempreocorreem toda
lei-
tura
em sentido integralmente substanti-
vo.Como,ante taiscircunstâncias, sepode
pretendermediar,moderando-a,umasub-
jetividade real por uma suposta objetivi-
dade?
Procedimentos tradicionais de
leitura
crítica, tais como a
exegese
, tinham em
vista“estabelecero sentidodeum texto”,
situando-o,porexemplo, emsuaperspec-
tiva histórica. Essa compreensão tende,
porém, à imposiçãodoutrinária, aum fas-
tidioso fechamento intelectual, de feitio
“A tarefa
daqueleque
lê
é
compatibilizaro
texto lido com
seu cabedal, seu
patrimônio
pessoal
constituídopor
conhecimentos,
vivências e
experiências.”