Setembro_2001 - page 48

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Revista daESPM – Setembro/Outubro de 2001
este jánãomaispode ser tidocomouma
“máquinadeescrever iluminada”.Antes,
paraescritoresqueadotama
ciber-escri-
ta
, o computador émesmo umamáqui-
na de escrever... mas dotada de luz pró-
pria! Para fins que são os seus, a ficção
em
hipertexto
retomao formatocaracte-
rísticodaspáginasda Internet.Essesno-
vos textos não estimulam o
leitor
a en-
veredarporumasósendadesentido, em
um trajetoque levadaprimeira àultima
linha.Diantedosatalhoseasbifurcações
que lhe sãomostrados, compete ao lei-
torsoberanodeterminarseupercurso,as-
sumindo, porém, um risco calculado:
com o apoio (multimidiático) de sons e
imagens de síntese, a narrativa, embora
sensorialmente envolvente, se faz obra
deDédalo.Ao
leitor
, recomenda-secon-
centração e muita paciência, para não
perder o fiodameada, buscar seu fiode
Ariadne e bem se orientar neste labirin-
to informático. OMinotauro parece es-
tar sempre à espreita.
Críticos militantes têm ponderado
que, no âmbito literário, merece o
hipertexto
ser tido na conta de um ins-
trumento de trabalho em processo de
contínua perfectibilidade. Demais, está
hojepostoa serviço, quer dacriaçãoau-
toral, quer da fruição de um
lector in
fabula
afeito e afeiçoado às lides
informáticas. Àqueles que o utilizam o
sistema hipertextual confia a tarefa de
compor sua base de dados, alémdo tipo
deconexões a seremestabelecidas edos
arquivos a serem organizados. Domes-
momodo, cabe a cada um deles a deci-
são de que núcleos mobilizar e de que
maneira, emúltimaanálise,proceder.Se
a sua capacidade de formar nexos
associativos for reduzida, levando-o a
criar liames de significação frouxos e
débeis, então abasepropostadespertará
pouco interesse, atémesmopor forçade
sua limitada utilidade ou de sua difícil
utilização.Aosnexos“coletivos”,deque
todos fazem algum uso, vêm somar-se
nexos “particulares”, de responsabilida-
de exclusiva do usuário desta novel
in-
teligência planetária
.
Seja como for, será preciso atentar
para os liames de significação efetiva-
mente criados, tendo-se por intento evi-
tar referênciasobscuraseestabelecerco-
nexões inaproveitáveis. Se assim não
proceder, o usuário – situado entre o li-
vre arbítrio do cidadão e as determina-
çõesdoconsumidor–correo riscode se
perder e tudo pôr a perder, haja vista o
perímetroeovolumedas referências (li-
teralmente, em tela); a este perigo pode
virasomar-seacarênciaeventualdeuma
visão crítica atilada e a ausência sentida
de uma segura orientação interpretante.
O “novo
leitor
”, que se debruça so-
bredocumentosdigitalmentecodificados
tendea transformaroqueseriasua
leitu-
ra
em efeito de um
scanning
(um
“visionamento”?) de ordem mental. É
que,muitasvezes, ele se limitaapercor-
rer comavista somente sumários, com-
pilações, relatórios, relatos de pesquisa
e resumosdeartigos, tomando-osnaqua-
lidade de “bancos de dados”.
Nãomais
seinterpreta
ou,pordesfastio
e prazer lúdico,
lê-se
; hoje,
explora-se
ou
viaja-se
deummodoaoqual secostumou
chamar de “interativo” pela ação recípro-
calevadaatermoporusuários,deum lado,
e interfaces de sistemas automatizados
(cadavezmais“amigáveis”), deoutro.O
ciber
-usuário se desloca (“navega” ou
“surfa”) estático (extático?) nomar aber-
to da
informação
, ao sabor das vagas e
dos vagares de seugosto intelectual eno
sentido estrito de sua inteira satisfação.
Singra“maresnuncadantesnavegados”,
acrescentandoanotaçõeseagregandoco-
mentários – escrevendo seu “diário de
bordo” – aomaterial virtual consultado.
Já o filósofo J.S. Mill dissera ser
inquestionávelo fatodeaartedanavega-
çãofundar-senaastronomia,umavezque
verdadeiros marinheiros não poderiam
mesmo aguardar a criação de um
almanaquenáutico
paracomele realizar
seus cálculos. Lançam-se ao mar com
quase tudo já calculado, ainda que de
modo precário e sujeito a viravoltas de
última hora. Stuart Mill pretendia mos-
trar que se pode usar utilmente um dado
saber, alocado a uma área, para solucio-
narproblemasemergentesemumaoutra,
bastando, para tanto, que se verifique se
requisitos para a transferência desejada
foram adequadamente atendidos.
Hipertexto
é passagem, trânsito de
uma tela a outra. Em uma prancha vir-
tual, o “nauta-surfista” se vê, compla-
cente, nummar alto de objetos únicos,
talvez insubstituíveis.Quemelaborasua
rota? Na ausência de uma carta de na-
vegação, correráeleo riscode ficarpara
sempre à deriva?Naufragará ou encon-
trará sua “praia”?
Servindo, em sua condição de farol
iluminado, à “inteligência coletiva” (à
cooperação de intelectos), hipertextos
fulguram na aurora de um (admirável)
“mundonovo”da
significação
, da
infor-
mação
orientada, do
conhecimento
(que
“Em caso-limite,
seráafirmaçãode
uma faltade
medidado
leitor
,
que
voluntariamente
valorizaou
depreciaumautor
e suaobra.”
“Raroe seletoéo
prazer queas
grandesobras
proporcionam,
dandoaouvira
vozdeumautor,
a forçade sua
expressão
vigorosa, origi-
nal eúnica.”
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