Setembro_2006 - page 25

algoque trabalhaemprofundidadeo
corpo social.
Espero que saibam o risco que cor-
rem por terem-me convidado para
falar aqui. Em francês temos um
pequeno ditado que diz: “a mulher
mais bonitadomundo sópodedar o
que ela tem”.Ou seja, eu sópoderei
dar a vocês aqui o que eu sei fazer:
reflexõesouelementospara reflexões
e pensamentos, de ordem filosófica
e/ouantroposófica.Nãoquero limitar
nossoassuntoadimensões sociológi-
cas, antropológicas ou filosóficas. A
cultura representa, essencialmente,
o solo fértil onde poderemos cultivar
uma forma de estar juntos. A nossa
funçãoaquié,precisamente, repensar
esta cultura. Mesmo que precisemos
fazer alguns desvios. Desvios esses
queeupretendopropor aqui.
A tese de base sobre a qual falarei é
dequeapublicidade seráamitologia
danossa época. Édifícil admitir isso,
dopontodevista teórico,poisanossa
longa tradiçãocultural judaico-cristãé
iconoclasta.Ou seja, quebroua ima-
gem. Iconoclasmoé isso–aquebrado
ícone, do ídolo.Oqueéamitologia?
Talvez seja, sobmeupontodevista, a
formamais importantequeaespécie
humana tem de contar a sua própria
história. Cada um é o que diz que
é. E quando se diz o que é, fala-se
de si próprio, conta-se sua própria
história.
A amizade e o amor, por exemplo,
inspiram histórias a serem contadas.
Famíliassão famíliasporquepossuem
uma história comum – e, com um
país,éamesmacoisa.Pouco importa
se isso soa verdadeiro ou falso. Na
relação amorosa – não se trata de
umaverdadeespecífica,massobesse
aspecto–dois seresquecontam suas
próprias histórias um para o outro
estãoprovavelmenteconstruindoalgo.
Bastaquehajaumanarrativa.Amito-
logia é isso: falar de si para além da
verdade.O falardesipróprioengloba
o que falamos sobre a relação que a
sociedadetemcomanatureza,comos
objetos ecomooutro. Essas sãoas 3
característicasquenaverdadedefinem
uma sociedade. Essas características
também sãoprópriasdamitologia.
Amitologia nos dá diferentes lições.
A idéia de lição aqui quer dizer que
não temos um discurso homogêneo.
Mas sim, quando observamos e es-
tudamos os mitos, percebemos que
existem várias histórias contadas a
respeito do mesmo mito. Quando
estudamos Dionísio, por exemplo,
existem várias histórias que fazem
parte do que chamamos de “especi-
ficidade dionisíaca”. Amesma coisa
sedácomoutrosmitos. Portantonão
temosapenasumahistóriaespecífica,
mas temos as “lições”. “Lições”essas
que são a maneira de relatar uma
realidadeplural. E vou tentarmostrar
aqui como, no fundo, a publicidade
“reconta” suas diversas lições. Ela
não se inscreve numa linearidade
racional com um objetivo ou uma
funcionalidade, mas vai, de alguma
forma, contar várias histórias. Essa
seria uma forma de refazer a relação
comaautoridade.Existealgumacoisa,
napublicidade, que falaantropologi-
camente do nosso passado que, por
sua vez, tem a ver com a forma de
nos reportar àautoridade.Temos que
considerar momentos diferentes em
épocasdistintas.
Em nossa tradição cultural, houve
uma passagem doMithos ao Logos.
Nós ultrapassamos o mito progres-
sivamente para chegarmos a uma
concepção puramente lógica, uma
dimensãoracionaldarealidadesocial.
Veremoscomo,a longoprazo, sedeu
essapassagem.São trêsmomentos:no
primeiromomentouseiesse termoda
tradição judaicaqueé“iconoclasmo”.
NoAntigoTestamentoexisteuma luta
constante dos profetas contra aquilo
que chamamos de “locais sagrados”.
Nesses locais sagrados se adoravam
um ícone, um ídolo e cultuava-se o
feminino. Divindades que nos reme-
tiam à mãe terra ou à grande mãe.
O iconoclasmo disso está traduzido
numa pequena frase que justifica a
lutadosprofetas:“adorarásaDeusno
espíritoenaverdade”.
Quando estudamosDioní-
sio, por exemplo, existem
várias histórias que fazem
parte do que chamamos
de “especificidade dioni-
síaca”. Amesma coisa se
dá com outrosmitos.
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