Publicidade e
pós-modernidade
inteligível e do enquadrável, em
esquemas racionais de categoriza-
çãoeanálise, emuitomais inscrita
na esfera da produção de afetos e
de efeitos sobre o corpo. Talvez
quemmaisajudasseaentenderessa
proposta fosse mesmo Nietzsche
– autor que o professor Maffesoli
gosta muito de citar. E também
GianniVatimo, seu grande suporte
doutrinário. Se entendêssemos por
completoaperspectivanietzscheni-
anadaarte, estaríamos, certamente,
maispróximosdeentenderporque
a publicidade é tão bem acolhida
pelodiscursodapós-modernidade.
Qualquer manifestação subjetiva
pode ser uma manifestação artís-
tica, desde que reveladora das in-
clinaçõesedaspulsõesdapotência
de agir do sujeito.Voudar-lhes um
exemplomuitopoucopublicitário:
há pouco tempo fui invadido pela
idéiaesdrúxuladeprestarvestibular
parapedagogia. Epassei! Comecei
a assistir às aulas e me percebi
bastante interessado em didática.
A professora, depois de quatro ou
cinco aulas, já havia ministrado
uma sériede técnicasde“comodar
aula”. Essas técnicasmecolocaram
diante de uma angústia existencial
profunda, pois me dei conta que,
nosmeus15anosdedocência, não
respeitava praticamente nenhuma
das técnicas propostas por ela.
Muito pelo contrário, eu insistia
em desmenti-las a cada instante e,
além disso, eu tinha a sensação de
que a professora tinha assistido a
algumaaulaminha, feitoanotações
ecolocadoNÃOem suadeontolo-
giadeensino.Nesse sentidoexiste,
segundo a didática, um conjunto
de regras que pairam sobre todos:
uma espécie de “representação da
aula ideal”, que transita no mais
além – como disse o professor
– que é indiscutível, que vigora
independentemente do tempo e
do espaço, dos auditórios, e do
humor do professor que estiver fa-
lando. Essa representaçãode “aula
ideal”, construídaquasequemate-
maticamente pela didática, seria
um critério transcendente à vida.
Ao mundo vivido a partir do qual
poderíamos julgar uma aula como
aminha. E claro, em função deste
“gabarito”, aminhaaula sópoderia
ser valorada com um zero.
Felizmente acabei encontrando
outras leituras que salvaram a
minha aula, porque observaram
quea suanaturezaartísticanãoestá
numa excelência técnica nem no
suposto e hipotético “efeito” que a
aula produz sobre o seu auditório.
Não está também nomérito que a
aula teve de alargar o repertório
cognitivo do seu aluno, mas sim
na capacidade que o professor
teve, pela sua experiência de vida
através da aula, de revelar as suas
inclinações, os seus desejos, a sua
potência de agir, os seus humores.
Não os humores do instante ante-
rior, nem do instante subseqüente,
mas sim os humores “daquele
instante”. Essamanifestaçãoéartís-
tica namedida em que reveladora
da singularidadedesejantedaquele
que semanifesta.
A modernidade surge como uma
pretensão de explicações globais
das coisas. O importante aqui
para nós, pesquisadores de comu-
nicação, é que mais do que uma
doutrina que fala sobre as coisas
do mundo, o discurso da pós-mo-
dernidade nos propõe ummétodo
– palavra destacada por Maffesoli.
É esse método que vem sendo
contemplado, já há algum tempo,
nas reuniões semestrais do SEAC.
E que acaba premiandoproduções
decorrentes de um olhar e de um
encontro com o mundo em detri-
mentodeproduções supostamente
aplicáveis a qualquer caso concre-
to, comomandaobompensamento
científicomoderno.Nesse sentido,
eu penso que a reflexão sobre a
pós-modernidade, que poderemos
fazer hoje, à tarde, à luz do pen-
samento do professor Maffesoli, é
uma reflexãoque temde ter, como
panode fundo, adiscussão sobrea
racionalidade, omonoteísmo–en-
quantoconvergênciaemumúnico
sentidoeumúnicovalor das coisas
–, a idéiadeSantoAgostinhodeque
“a razão acaba convergindo para
o unitário” e a reflexão sobre a so-
ciedade pós-moderna, muito mais
respeitadora da pluralidade, do
vivido e do desejado nomomento
concreto da existência. Seme per-
mitirem uma sugestão – sei que os
livros do professor Maffesoli mais
citados nas teses sãoo “Tempodas
tribos” e “O nomadismo”, depois
de termos todos lido“APartedoDia-
bo”, eu gostariade sugerir a leitura
urgente do “Elogio da razão sen-
sível”, queoprofessor citouaqui.A
obranos faz imediatamente lembrar
da crítica da razão pura – elogio
da crítica sensível em relação à
pura – enos remete aum kantismo
às avessas. Mas não há dúvida de
queéum livro-chaveparaentender
aquiloquenos importa: aperspec-
tiva elogiosa da manifestação na
pós-modernidade, enquanto re-
veladora de um certo cognato, de
uma existência desejante, de uma
libido ou de uma pulsão. Quando
o professor Maffesoli destaca que
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R E V I S T A D A E S P M –
SETEMBRO
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OUTUBRO
DE
2006