Comportamento
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Revista da ESPM
| setembro/outubrode 2013
Por outro lado, o cenário é bastante paradoxal e quase
contraditório,porqueaquelesquedescrevemoconsumidor
brasileirocomogentil e generoso tambémocriticampela
suamalandragem, rotulando-ocomoumaproveitadorque
tenta tirar vantagens das empresas por meio do “jeitinho
brasileiro”.Nesseaspecto, duasobrasdeRobertoDaMatta
—
Oque faz o brasil, Brasil
(EditoraRocco, 1984) e
Carnavais,
malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro
(Editora Rocco, 1997) — contribuempara o entendimento
da questão. Os livros retratam a figura do malandro e do
nosso“jeitinho”emresolverosconflitoscotidianos,muitas
vezespela indagação: “vocêsabecomquemestá falando?”,
recurso utilizado por nós numa sociedade hierarquizada,
transfigurando a cidadania nonossouniverso relacional.
Consumidor
versus
empresas
Quem não tem reclamações sobre atendimento ou de
algumproduto?Quemnunca padeceu, emnossas terras,
nas relações de compra, como se estivesse numpesadelo
kafkiano? Colecionamos casos e histórias desse tipo ao
longodas nossas vidas. São episódios tãomarcantes, que
passamafazerpartedaconstruçãodanossasubjetividade.
Costumamosmencionar algunsdesses casos como lições
importantes que acabarampor alterar ou reconfigurar o
nosso comportamento e atémesmo a forma como vemos
e entendemos as pessoas e omundo. É comumouvirmos
dessas pessoas os seguintes relatos: “A partir daí, nunca
mais fui bobo”; “Depois desse dia, aprendi que temos de
exigir os nossos direitos”; “Com isso, aprendi que preci-
samos brigar”; “Daí pra frente, passei a ter outra postura,
não voumais abaixar aminha cabeça”.
Essas histórias não ficamsomente para nós. Fazemos
questão de compartilhá-las como um desabafo e, sobre-
tudo, uma tentativa, aindaque inconsciente, de alertar ao
outro sobre os riscos que corremos e como podemos nos
prevenir. São narrativas que têm significado nas nossas
relações e que, muitas vezes, são trocadas como ensina-
mentos valiosos. Admiramos e aprendemos comaqueles
que nos contamepisódios nos quais enfrentaramproble-
mas e obstáculos numcaso de reclamação de consumo e
saíramvitoriosos. Depois deouvir esse tipode relato, cos-
tumamos dizer coisas como: “Você fezmuitobem, brigou
pelooque é seudedireito”; “Não sei se eu teria coragemde
brigar desse jeito”; “Você teve coragem, brigar contrauma
empresa grande como essa”. Afinal, quem briga sempre
merece e recebe nossa admiração e respeito.
Estamosemumaeranaqualomarketingvalorizaaexpe-
riência, a satisfação e a diferenciação no atendimento, o
respeito ao consumidor e à sociedade, buscandofidelizar
ocliente, cadavezmais.Mesmodiantedessa tendênciade
experiência, oBrasil temregistradoumnúmerocrescente
de reclamações contra as empresas no Procon. As redes
sociais viraramumcenário frequente para a divulgação
de reclamações e insatisfação com produtos e marcas.
Um exemplo disso são as diversas páginas no Facebook
motivando o boicote contra algumasmarcas, bemcomo
os sitesdestinadosexclusivamenteà reclamaçãoedenún-
cia dos consumidores, como o Reclame Aqui e o recente
Boicota SP, iniciativas espontâneas da própria sociedade
civil. Mas por que o consumidor brasileiro ainda está em
pé de guerra comas empresas?
Se temos umCódigodoConsumidor que é considerado
umdosmelhoresemaisabrangentesdomundo, porqueas
empresasaqui,noBrasil,pareceminsistiremfecharosolhos
eosouvidosperanteasreclamaçõesdenós,consumidores?